Artigo de Gustavo Nogy, colunista da Gazeta do Povo:
Fernando Haddad, o
ex-vice-candidato do ex-candidato-preso, agora se tornou candidato de
vez. Pelo menos é o que consta nos registros oficiais da Justiça
Eleitoral e no material da campanha. Entretanto, todos sabem que Haddad é
e continuará a ser apenas vice-qualquer-coisa, útero da ética
apodrecida de seu mentor e das ruínas de um projeto.
Isso não é opinião
nem crítica. Escrevo com a frieza de Belchior Nunes Carrasco e a
inocência da criancinha prestes a pegar no sono. É plano de governo, o
único plano de governo prometido pelo PT: Lula. Economia, soluções para a
saúde, metas para a inflação, projeções cambiais, modelos de educação,
reforma previdenciária? Lula.
A campanha
orgulhosamente anuncia: “Fernando Haddad é Lula, Lula é Fernando
Haddad”. Já não se trata de transferência de votos, mas de transfusão de
caráter ou coisa pior. Como se Lula fosse o vírus de uma febre tropical
e Haddad o mosquito transmissor. Doença bem chinfrim e
latino-americana. Pelo menos não há como acusá-los de estelionato
eleitoral, pois quem vota em Haddad sabe que não vota em Haddad.
O tarado por
ciclovias poderia ter feito carreira pedalando para bem longe do PT,
como Marina Silva, mas preferiu a sujeição. Era pequeno, pequenininho,
ficou ainda menor. Enquanto isso, Manuela d’Ávila se desmaterializou
perto de ambos. Altiva, mostrou que sabe obedecer cheia de dignidade.
Ela é livre para dizer: “Sim, senhor!” Transformou-se na Amélia da
casa-grande lulopetista. Manuela não tem a menor vaidade, Manuela é que é
mulher de verdade.
Ciro Gomes, por sua
vez, cortejou o Partido dos Trabalhadores para novamente ser rejeitado.
Seu pecado é ter personalidade demais. O chefe não suportaria a
concorrência, não aceitaria que lhe ameaçassem o protagonismo. Lula é
ciumento. “Não terás outros deuses além de mim”. Ele precisava de massa
dúctil o suficiente para modelar conforme as circunstâncias.
Encontrou-a.
Da cadeia, onde
aparentemente se sente em casa, Luiz Inácio assumiu de vez o papel de
íncubo, demônio que invade os sonhos da esquerda e tem com ela relações
das mais promíscuas. Dessa cópula espúria nasce a candidatura à
presidência do ex-prefeito de São Paulo, sucursal Vila Madalena.
Demétrio Magnoli,
escritor que respeito, tem muito mais fé do que eu em unicórnios. Disse
que “a saída existe, mas depende da integridade política e da
independência intelectual de Haddad. O candidato inventado no
laboratório lulista tem a oportunidade de corrigir a narrativa ainda
durante a campanha eleitoral, falando em público aquilo que fala entre
quatro paredes. (…) Paralelamente, reconciliaria o PT com o futuro,
inaugurando o pós-lulismo. Haddad pode ousar, refundando a esquerda
brasileira, ou optar inercialmente pelo destino de Dilma”.
O problema é que “o
candidato inventado no laboratório lulista” está reduzido a isso: boneco
de seu Gepeto, criatura de seu Victor Frankenstein. Atraído pela força
gravitacional da matéria escura de Lula da Silva, o paulistano parece
não ter outra chance de sobreviver senão perto demais de quem deveria se
afastar.
A independência
política – e, sobretudo, moral – de Fernando Haddad é uma oportunidade
para sempre perdida. Existem limites que, quando ultrapassados, quebram o
indivíduo de alguma maneira. O que mais precisaria acontecer para que
Haddad se dispusesse a repensar o petismo? Tudo o que tinha de ser
feito, foi feito. Está consumado.
Pois depois de tantos
e tamanhos escândalos, da corrupção de magnitude inédita na história
não somente desta, mas de outras repúblicas e monarquias, quem ficou,
ficará. Não consigo imaginar que a esta altura seja possível um
verdadeiro mea culpa, uma sincera e plena contrição. Mais do que isso:
quem ficou tem mesmo de ficar.
Que os ratos não abandonem o navio. O navio merece os ratos, os ratos merecem o navio.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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