"O liberalismo se juntou
ao conservadorismo na ideologia militar. O general Mourão fez questão
de ressaltar que ele e Bolsonaro abraçaram solidamente a democracia
liberal, mas foi mais longe. Disse que prevalece essa filosofia política
nos meios militares de hoje". Artigo de Claudir Franciatto, via Instituto Liberal:
“É por isso que estudamos tanto no Exército”. (General Hamilton Mourão)
Quem teve, como eu, a
alegria de ler a monumental obra de Érico Veríssimo, O Tempo e o Vento –
sete volumes somando mais de duas mil páginas que nos deixam, ao final,
uma vontade de quero mais -, certamente se impressionou com um dos
debates durante a saga da família Cambará. Aquele que falava de um
romancista que dá voltas e voltas e jamais escreve o seu romance. Eis um
dos enfoques:
— Presta bem atenção. Suponhamos que a vida seja um touro que todos temos de enfrentar. Como procederia, por exemplo, o teu avô Licurgo Cambará, homem prático e despido de fantasia? Montaria a cavalo e, com auxílio de um peão, simplesmente trataria de laçar o animal. Agora, qual é a atitude de seu neto Floriano Cambará? Tu saltas para a frente do touro com uma capa vermelha e começas a provocá-lo. De vez em quando fincas no lombo do bicho umas farpas coloridas… Mas quando o touro investe, tu te atemorizas, foges, trepas na cerca e de lá continuas a manejar a capa, para dar aos outros e a ti mesmo a impressão de ainda estar na luta… É uma atitude um tanto esquizofrênica, com grande conteúdo de fantasia. Certo? Bom. Toma agora o teu tio Toríbio… Qual seria a atitude dele?— Pegaria o touro à unha.
Sempre que me lembro
dessa passagem me vem à mente a comparação do Floriano Cambará com os
liberais. Por nossas próprias características filosóficas e políticas,
ficamos sempre rodeando o touro – aqui, nesta alegoria, o poder. De vez
em quando fincamos no lombo do touro umas farpas coloridas… provocamos,
avançamos e recuamos. E ficamos ao largo agitando a capa na ilusão de
que estamos na arena lutando. Será que chegou o momento de pegar o touro
à unha… e não percebemos?
Seriam os liberais
capazes de se aliar aos conservadores para, estrategicamente, chegar ao
poder de forma consistente e orgânica? Seriam os liberais capazes de
absorver a sabedoria preventiva dos conservadores? Poderiam estes ter
abandonado de vez seus pendores pelo estatismo e protecionismo?
Acrescento ao rol de indagações uma última: haveria hoje tanta diferença
ainda entre liberais e conservadores? Se até Roger Scruton vê em Hayek
um conservador, não podemos enxergar num militar um verdadeiro liberal?
Entrevista histórica
A presença do general
Hamilton Mourão, vice na chapa de Jair Bolsonaro, em sabatina no jornal
da manhã da Jovem Pan, neste mês de setembro, respondeu um pouco às
minhas questões. Segundo o militar, “Bolsonaro acredita que o melhor
para o Brasil seja a democracia liberal. Não é mais estatizante. Já
mudou essa maneira de pensar, tanto que se o Paulo Guedes tiver de sair
um dia, será chamado outro economista que pense igual a ele. Bolsonaro
raciocina como eu, que sou extremamente liberal nessa questão econômica.
Não concordo com a intervenção do Estado na economia da forma como
vinha sendo feito. Bolsonaro também já está entendendo dessa forma,
sabendo que se o Estado começa a intervir na economia e a gerir
empresas, acaba por desorganizar tudo. A situação como a que estamos
vivendo hoje”.
Por sua vez, o
socialdemocrata Marco Antônio Villa, ferrenho defensor do
intervencionismo estatal no mercado (que ele confessa desconhecer
completamente por “se tratar de uma mera abstração”), quis saber se o
general estava, dessa forma, negando a política estatizante do regime
militar que “fez a economia crescer de forma nunca vista antes”. Mourão,
então, lembrou que dois liberais atuaram no início do regime – Roberto
Campos e Otávio Gouveia de Bulhões -, mas que depois ele descambou para
as estatizações. “Mais tarde veio a desorganização e o país até hoje
não se recuperou dos sucessivos intervencionismos”.
O general deu uma
aula, mostrando aos perguntadores que não se poderia comparar – como
fizeram – um Brasil de características de sociedade de massas e de
dimensões continentais com países como, por exemplo, a Holanda. E
explicou algo que chega perto da evolução espontânea propugnada por
Hayek: disse que, na questão dos costumes, “a sociedade vai aos poucos
resolver o que deseja. Não cabe aos governantes ficarem impondo ou
propondo mudanças na tradição e na moral”. Show!!
Por fim, Villa
indagou se as declarações do general estavam rompendo uma tradição
histórica do pensamento nos meios militares, de um positivismo que
induziria a uma modernização capitaneada pelo Estado. Resposta de
Hamilton Mourão: “Sim, completamente. Não podemos nos esquecer de que o
regime militar iniciado em 1964 foi conduzido pelos tenentes de 1922. O
que houve foi um processo. As novas gerações já foram formadas com uma
nova maneira de pensar. É por isso que a gente estuda tanto no
Exército”, concluiu.
Que mudança! Se você
compara com o que é detalhado, por exemplo, na tese A Ideologia e a
Ética no Exército Brasileiro, do coronel Fernando Velôzo Gomes Pedrosa,
publicada em novembro de 2012, segundo a qual o anticomunismo era a
predominância no pensamento militar, percebe a evolução que houve. É uma
transformação histórica. O liberalismo se juntou ao conservadorismo na
ideologia militar. O general Mourão fez questão de ressaltar que ele e
Bolsonaro abraçaram solidamente a democracia liberal, mas foi mais
longe. Disse que prevalece essa filosofia política nos meios militares
de hoje.
A voz dos militares na maior democracia liberal do planeta
“Considerando a
histórica influência dos militares americanos sobre os governos civis,
no que concerne à guerra e à paz, torna-se crucial conhecer o perfil
político e psicológico desses generais, para quem quer desenhar um
cenário mais ou menos preciso do que vem pela frente”. Essa é uma das
deduções a que chegou matéria publicada pela revista Exame em fevereiro
deste ano. Analisando o livro The Pentagon’s Wars: The Military’s
Undeclared War Against America’s Presidents, de Mark Perry (ainda sem
tradução no Brasil), a revista ressalta as evidências que garantem: nas
últimas três décadas, foi significativa e decisiva a influência do
Pentágono nas decisões dos governos civis americanos.
No governo Trump, a
geração de riquezas não se detém. E os militares ocupam várias das
principais posições estratégicas, dentro e fora do setor de Defesa. Quer
vaticinar sobre o futuro do país? Pesquise sobre as tendências
psicológicas, políticas e filosóficas dos generais.
Mas essa constatação é
ainda mais gritante quando nos lembramos de que a maioria dos
presidentes daquela nação seguiu carreira militar. General George
Washington, general Eisenhower, brigadeiro-general Andrew Johnson,
coronel Thomas Jefferson, coronel James Madison (o chamado pai da
constituição americana), capitão de fragata Richard Nixon… e por aí em
diante. Ora, desde que os Whigs atravessaram o oceano para fundar uma
nação, sua Constituição e sociedade com o caldo cultural profundamente
liberal construíram o mais empreendedor e próspero país de todos os
tempos. Fácil entender porque atraiu para si também os invejosos e
inimigos sempre ameaçadores. Para se defender, se conformou num Estado
guerreiro. As armas são amigas e, os militares, heróis.
Bem diferente do que
ocorre no Brasil, para deleite dos socialistas e do crime organizado.
Aqui, uma aberração política como Ciro Gomes propugna, ao contrário, o
amordaçamento e a segregação dos militares. Perpetuar um preconceito que
a esquerda soube, com maestria, disseminar ao longo das últimas três
décadas.
Neste novo cenário,
entretanto, todos podem contribuir. Sejam civis ou militares, os
liberais podem ajudar os conservadores a aceitarem a evolução espontânea
da sociedade (jamais um “progressismo” imposto). Os conservadores podem
auxiliar os liberais diante das tentações das novidades não
espontâneas. Aliás, nada poderia agradar mais aos socialdemocratas e
aos socialistas do que a desunião entre liberais e conservadores. As
diferenças entre nós têm de ser bem menores que a vontade de reconstruir
o Brasil.
É hora de montar no
cavalo, ajeitar o laço e pegar esse touro. Ou melhor, dentro das regras
democráticas e do Estado de Direito, vamos pegá-lo, desta vez, nem que
seja à unha!
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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