Artigo de Carlos Andreazza, que acha que o PT irá para o segundo turno, coisa que eu duvido:
Autossuficiente, a
estratégia político-eleitoral de Lula — também brilhante, ética à parte —
tem como uma das perigosas consequências a subestimação daquele
escolhido para lhe ser cavalo. Há tempos escrevo que o ex-presidente,
senhor e âncora do tabuleiro, concebera e dominara um jogo em cujo fim
colocaria seu representante, quem quer que fosse entre os petistas, no
segundo turno. Nunca tive dúvida de que assim será. Mas é na análise
desfulanizada — soberba, afinal acomodada — do método eleitoral
lulopostista que se desdobra o risco de não se avaliar se o indicado,
por ora capacho de um presidiário, pode ir além.
Convém estudar
Fernando Haddad. As circunstâncias lhe são favoráveis. Sim, é verdade:
poderia ser qualquer lulista, e o ungido avançaria ao segundo turno.
Isso não significa que a escolha não decorra de cálculo. Uma obviedade: a
indicação é componente fundamental da estratégia de Lula; não marco de
seu fim. Ou alguém pensa que ele pensava que poderia concorrer à
Presidência? Na exemplar briga de advogados havida no coração de sua
banca, Lula nunca teve dúvida sobre sacrificar Sepúlveda Pertence. Sua
defesa sempre foi política. Entre alguma medida cautelar, como prisão
domiciliar (que poderia ser percebida como exceção em seu benefício), e
permanecer em cárcere até a eleição, desde a cadeia vendo sua
inelegibilidade formalizada, jamais hesitou sobre ficar no lugar em que
melhor se vitimizaria. Daí por que tampouco cogitou antecipar-se à
oficialização de sua inelegibilidade para apontar Haddad como o Lula de
2018. Para quê? Ele precisa do evento por meio do qual a Justiça
Eleitoral se tornará adversária, também ela agente da concertação
institucional elitista que trabalha para impedi-lo de voltar a presidir o
Brasil. E então, ato contínuo, Haddad — Haddad será: é Lula, é Lula, é
Lula.
Ocorre, contudo, que
Haddad — ao contrário de Dilma Rousseff — existe; tem existência
própria. Chego ao ponto. Ele é — será — corpo para duas operações. Não à
toa se fez circular que seria uma espécie de petista com cara de
tucano. Há ciência nessa formulação. Haddad, um acadêmico, tido como
alguém aberto ao diálogo, limpa a imagem mais pesada do petismo
sindicalista. O novo PT possível. E não sem alguma sorte. Em São Paulo,
por exemplo, cresce inesperadamente, muito beneficiado, por efeito de
oposição, pela percepção eleitoral de que João Doria abandonou a
prefeitura da capital sem qualquer realização. Doria revitalizou Haddad,
que disputará a Presidência com razoável base eleitoral de partida no
mesmo município cujos cidadãos, não faz dois anos, desprezaram-no. Essa é
a primeira operação — plástica, no caso — a que seu corpo se submete.
Lifting?
A segunda, uma
transfusão, ainda terá vez e se dará no Nordeste, lá onde Haddad é
perfeitamente o que precisa ser para Lula ser: um desconhecido. Um
elemento — de acordo com os princípios do lulopostismo — a ser
construído, superfície plana para depósito dos votos que o ex-presidente
transfere, naquela região, sem quase prejuízo derivado de sua condição
de preso. E assim se planta a “ideia Lula” na fé daqueles cerca de 30%
aos quais comunica: em parte com o Haddad revigorado no maior colégio
eleitoral do país; em outra com a transmissão de votos lulistas em
grande monta provenientes do aparelhamento do Bolsa Família, maior
programa de cadastramento do mundo, como propriedade político-eleitoral
do PT.
Haddad, pois, será —
já é — Lula. Mas também é Haddad, como expressa o programa de governo
que concebeu. Estão lá, publicamente assumidos, todos os compromissos de
vingança. Contra a democracia representativa, contra, portanto, o
Parlamento, que derrubou Dilma, investe na democracia direta e na ameaça
de nova Assembleia Nacional Constituinte — com a evidente pretensão de
esvaziar o Congresso por meio de Legislativo paralelo. Contra a
imprensa, aquela que apoiou o golpe, a palavra de ordem é controle
social para, por meio da sociedade civil organizada (pelo comissariado),
regular — tutelar, claro, democraticamente — os meios de comunicação.
Há muito mais. Contra o Judiciário, por exemplo: um projeto declarado de
desforra.
Atenção a Haddad. O
escolhido tem ideias particulares muito elaboradas sobre o que seja
democracia. Ele engana, mas é transparente. (O Globo).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário