MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

segunda-feira, 16 de julho de 2018

Peleguismo judicial


Em tempos de aparelhamento partidário das instituições, o que poderíamos esperar de nosso protagonista togado? Artigo de André Gonçalves Fernandes, publicado pela Gazeta do Povo:


Em tempos de aparelhamento partidário das instituições, a cena virou clichê: um companheiro junta-se a outro companheiro para pedir para um terceiro companheiro safar a barra do quarto companheiro. Corre o pano. No dia seguinte, entram em cena outros companheiros.

Aquele que trabalha no jornal constrói um discurso público para endossar a normalidade do primeiro ato da cena e pede a outro, que transita no meio acadêmico, especialista em nulidades ideológicas, para dissertar e oferecer aquela conversa rasteira e conhecida sobre sociedade opressora, Justiça seletiva e santidade de todos os envolvidos no ato inicial.

A dita cena, com storyboard feito na semana anterior, foi rodada no último domingo e está a merecer o famoso troféu “Framboesa de Ouro” pelo tom estultificado do enredo. Por aqui, iremos analisar o papel do terceiro companheiro, um advogado alçado à condição de desembargador pelo quinto constitucional (vulgo quinto dos infernos) e dono de uma vasta lista de serviços prestados, como filiado, ao partido que, como produtor, bancou a cena toda.
O que poderíamos esperar de nosso protagonista togado? Em primeiro lugar, na condição de plantonista, ele deveria ter atentado para a resolução 71 do CNJ, segundo a qual é vedado o reexame de matéria já julgada em instância de origem ou mesmo sua reconsideração em sede de plantão. A razão do dispositivo serve para reforçar a ideia de que um magistrado, monocraticamente, não pode cassar a decisão de um outro juiz do mesmo grau.

Em segundo lugar, ele deveria ter se lembrado das aulas de Teoria Geral do Processo. Existe uma categoria processual chamada “juízo competente”, o qual se refere ao juiz que tem poder para conhecer e julgar uma questão jurídica. É a causa e a medida do poder de julgar, atribuídas por lei e divididas, em regra, segundo critérios de pessoa, lugar e matéria.

Mas nosso protagonista resolveu inovar e seguiu outro script. O script de quem ignora o sentido, o peso e o alcance de uma toga judicial e adentra pelo campo alagadiço da manipulação hermenêutica travestida formalmente de decisão judicial, motivada por “fato novo”, cujo manto semântico, por ser diáfano, permite vislumbrar sem dificuldade o caráter ideológico do despacho proferido.

Ao que parece, deixou-se encantar pela sonata da parcialidade e agiu como uma espécie de marionete togada de uma teoria explicativa do mundo que o transcende: cassou ilegalmente a decisão do juiz natural do feito, o relator do processo condenatório, e, além disso, atropelou o STJ, única autoridade absolutamente competente para apreciar o habeas corpus impetrado. Em outras palavras, sua atitude, eticamente, virou sinônimo de peleguismo judicial. Daria um belo estudo de caso de deontologia jurídica.

Quando um sujeito exerce a jurisdição, ao mesmo tempo em que se utiliza desse poder para dar vazão para preferências políticas, ele ganha em segurança o que perde em independência e imparcialidade. Ao cabo, a mesma caneta que julga e deixa a cor de seu partido serve a um só fim: ideologizar. Camus dizia que a busca de uma ideologia é o expediente dos homens sem caráter. Corrijo: dos homens que não desenvolveram um caráter.

André Gonçalves Fernandes, Ph.D., é professor-pesquisador do CEU Law School, membro da Academia Campinense de Letras e do Movimento Magistrados para a Justiça.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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