Em tempos de
aparelhamento partidário das instituições, a cena virou clichê: um
companheiro junta-se a outro companheiro para pedir para um terceiro
companheiro safar a barra do quarto companheiro. Corre o pano. No dia
seguinte, entram em cena outros companheiros.
Aquele que trabalha
no jornal constrói um discurso público para endossar a normalidade do
primeiro ato da cena e pede a outro, que transita no meio acadêmico,
especialista em nulidades ideológicas, para dissertar e oferecer aquela
conversa rasteira e conhecida sobre sociedade opressora, Justiça
seletiva e santidade de todos os envolvidos no ato inicial.
A dita cena, com
storyboard feito na semana anterior, foi rodada no último domingo e está
a merecer o famoso troféu “Framboesa de Ouro” pelo tom estultificado do
enredo. Por aqui, iremos analisar o papel do terceiro companheiro, um
advogado alçado à condição de desembargador pelo quinto constitucional
(vulgo quinto dos infernos) e dono de uma vasta lista de serviços
prestados, como filiado, ao partido que, como produtor, bancou a cena
toda.
O que poderíamos
esperar de nosso protagonista togado? Em primeiro lugar, na condição de
plantonista, ele deveria ter atentado para a resolução 71 do CNJ,
segundo a qual é vedado o reexame de matéria já julgada em instância de
origem ou mesmo sua reconsideração em sede de plantão. A razão do
dispositivo serve para reforçar a ideia de que um magistrado,
monocraticamente, não pode cassar a decisão de um outro juiz do mesmo
grau.
Em segundo lugar, ele
deveria ter se lembrado das aulas de Teoria Geral do Processo. Existe
uma categoria processual chamada “juízo competente”, o qual se refere ao
juiz que tem poder para conhecer e julgar uma questão jurídica. É a
causa e a medida do poder de julgar, atribuídas por lei e divididas, em
regra, segundo critérios de pessoa, lugar e matéria.
Mas nosso
protagonista resolveu inovar e seguiu outro script. O script de quem
ignora o sentido, o peso e o alcance de uma toga judicial e adentra pelo
campo alagadiço da manipulação hermenêutica travestida formalmente de
decisão judicial, motivada por “fato novo”, cujo manto semântico, por
ser diáfano, permite vislumbrar sem dificuldade o caráter ideológico do
despacho proferido.
Ao que parece,
deixou-se encantar pela sonata da parcialidade e agiu como uma espécie
de marionete togada de uma teoria explicativa do mundo que o transcende:
cassou ilegalmente a decisão do juiz natural do feito, o relator do
processo condenatório, e, além disso, atropelou o STJ, única autoridade
absolutamente competente para apreciar o habeas corpus impetrado. Em
outras palavras, sua atitude, eticamente, virou sinônimo de peleguismo
judicial. Daria um belo estudo de caso de deontologia jurídica.
Quando um sujeito
exerce a jurisdição, ao mesmo tempo em que se utiliza desse poder para
dar vazão para preferências políticas, ele ganha em segurança o que
perde em independência e imparcialidade. Ao cabo, a mesma caneta que
julga e deixa a cor de seu partido serve a um só fim: ideologizar. Camus
dizia que a busca de uma ideologia é o expediente dos homens sem
caráter. Corrijo: dos homens que não desenvolveram um caráter.
André
Gonçalves Fernandes, Ph.D., é professor-pesquisador do CEU Law School,
membro da Academia Campinense de Letras e do Movimento Magistrados para a
Justiça.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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