Postado em 23/06/2018 8:57 DIGA BAHIA!
menos
de quatro meses da disputa presidencial, um terço do eleitorado
brasileiro não tem candidato. A atual rejeição aos nomes que tentam
consolidar sua candidatura, porém, não é uniforme: a indefinição do voto
feminino hoje é muito superior a do masculino, indicando que a escolha
delas terá um peso importante para definir o quadro eleitoral daqui para
frente.
As mulheres representam 52% do eleitorado brasileiro, segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). E a incerteza delas se intensifica ainda mais com a saída do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
da disputa, cenário hoje mais provável devido à sua condenação em
segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Segundo a última pesquisa do Instituto Datafolha, se a eleição presidencial tivesse ocorrido no início de junho com outro petista na disputa (Fernando Haddad ou Jaques Wagner),
41% das eleitoras brasileiras não teriam escolhido qualquer candidato.
Essa é a soma das que responderam que não sabiam ainda em quem votar ou
que votariam em branco ou nulo. Já no caso dos homens, esse percentual
cai para 25%.
Quatro anos atrás, em junho de 2014, quando Dilma Rousseff (PT) concorria à reeleição contra Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos(PSB), a indefinição entre os homens era parecida (24%), mas entre as mulheres menor do que agora (34%).
Cruzamentos das respostas de intenção voto disponibilizados pelo Datafolha a pedido da BBC News Brasil mostram
que o percentual de indecisão das eleitoras é ainda maior entre as de
menor renda (45% das que ganham até dois salário mínimos) e supera
metade do eleitorado feminino no Nordeste (52% das moradoras daquele
região estão sem candidato).
Em meio a essa indefinição, o deputado Jair Bolsonaro (PSL)
desponta como líder nas pesquisas com até 19% de intenção de voto,
apoiado principalmente pelo eleitorado masculino, seguido dos outros
pré-candidatos Marina Silva (Rede, com até 15%), Ciro Gomes (PDT, até 11%) e Geraldo Alckmin (PSDB, máximo de 7%).
Se considerado apenas o eleitorado feminino, a líder é
Marina, com 17%, contra 12% de Bolsonaro, aponta o Datafolha – entre os
homens, a situação se inverte, com os dois recebendo 12% e 26%,
respectivamente. Quando analisada a renda, a ex-senadora é líder apenas
entre as pessoas com até dois salários mínimos, enquanto o deputado
aparece na ponta em todas as outras faixas. O mesmo acontece
regionalmente: ela està à frente no Nordeste, e ele, em todas as outras
regiões.
Diante do alto número de indecisas, o candidato que
conseguir atrair o eleitorado feminino de menor renda, em boa parte
órfão de Lula, terá mais chances de passar ao segundo turno, afirma
Rafael Cortez, cientista político da consultoria Tendências.
“A definição do cenário deve vir mais da redução dos
indecisos do que da mudança de quem já escolheu um candidato. Nesse
sentido, a mulher da baixa renda do Nordeste é o primeiro eleitor que
pode mudar a cara da campanha”, avalia Cortez.
“Difícil saber como o eleitorado feminino vai se
comportar, mas sem dúvida elas vão ser importantes para definir (a
eleição) porque os votos brancos e nulos vão ser disputados a tapa”,
acredita também a cientista social e antropóloga Rosana
Pinheiro-Machado, professora na Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM), no Rio Grande do Sul, que estuda o eleitor de Bolsonaro ao lado
da antropóloga Lúcia Scalco.
Por que muitas delas não têm candidato?
O cientista político Antonio Lavareda, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
ressalta que programas sociais importantes criados no governo Lula são
focados nas mulheres chefes de família – elas que em geral recebem o
benefício do Bolsa Família ou ficam com a escritura do imóvel no Minha
Casa, Minha Vida.
Na sua opinião, isso ajuda a explicar porque muitas gostariam de votar nele e ficam indecisas com sua retirada da disputa.
“Quanto a Bolsonaro, posturas francamente misóginas do
candidato colidem com a aspiração das mulheres de reconhecimento e,
ainda mais, de empoderamento. Vai ser difícil para ele diminuir o gap
(buraco) de gênero revelado nas suas intenções de voto”, opina ele.
Mas embora o índice de mulheres sem candidato recue para
26% no cenário do Datafolha em que Lula é apresentado na disputa, a
taxa continua superior à dos homens (15%).
Para analistas ouvidas pela BBC News Brasil, a
indefinição maior das eleitoras nos diversos cenários se explica pela
exclusão das mulheres da política. Hoje elas somam apenas um décimo dos
parlamentares no Congresso Nacional, e são só duas dos 27 governadores
do país – Cida Boghetti (PP), no Paraná, e Suely Campos (PP), em
Roraima.
Pinheiro-Machado, que pesquisa há um década a relação
dos jovens com a política, conta que, ao fazer entrevistas no último ano
em escolas de periferia no Paraná, tem observado um desinteresse das
garotas em discutir os candidatos, enquanto os rapazes costumam mostrar
um conhecimento sobre Lula e uma simpatia por Bolsonaro – atraídos por
sua imagem de masculinidade, associada a temas como a defesa da posse de
armas.
“É bastante natural que as mulheres tenham um
ressentimento porque a política brasileira é muito patriarcal. O
brasileiro médio não se vê representado pelas estruturas de poder
político, e a mulher muito menos ainda”, concorda a cientista política Esther Solano, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Para Malu Gatto, professora de política latino-americana na Universidade College London, na Inglaterra,
o contexto político conturbado do país hoje ajuda a explicar porque a
indefinição neste ano é ainda maior do que na eleição passada.
Como as candidaturas ainda não estão fechadas e os
presidenciáveis ainda não estão em campanha, o eleitorado não tem
informação suficiente para definir o voto, observa.
Além disso, é evidente uma alta da desconfiança na
política após sucessivos escândalos de corrupção e uma troca de governo –
a entrada de Michel Temer (PMDB) no lugar de Dilma – que não devolveu o otimismo aos brasileiros.
A pesquisa do Datafolha mostra que o aumento de
eleitoras sem candidato agora em comparação com junho de 2014 se deve ao
forte crescimento das que pensam em votar nulo ou branco (de 18% para
33%). As que respondem não saber em quem votar, por sua vez, votar caiu
no período (de 16% para 8%).
“Estudos da psicologia comportamental mostram que
mulheres tendem a tomar menos riscos. Então essa falta de informação
sobre os candidatos, combinada a um contexto de grande desconfiança na
classe política, pode estar levando as mulheres a estarem menos
dispostas a declarar voto a um candidato especifico tão cedo”, ressalta
Gatto.
Clareza nas propostas
A BBC News Brasil conversou com três mulheres
nordestinas sobre sua indecisão para o pleito presidencial – todas
afirmaram que ainda esperam o quadro de candidatos se definir melhor
para pesquisar sobre eles e decidir seu voto.
Além da indefinição, outro fator que une as três é uma
rejeição a Bolsonaro. Os números do Datafolha mostram que o deputado tem
apenas 4% de intenção de voto entre as nordestinas, enquanto entre os
homens da região o índice chega a 19%.
“Tenho um grupo de WhatsApp com parte da família apenas
para discussão de política. São quatro mulheres e cerca de quinze
homens, a maioria deles vota no Bolsonaro”, diz Priscila de Araújo
Barbosa, 34 anos, assistente administrativa no Recife.
Antiga eleitora do Lula, ela diz, por outro lado, que
também não teria intenção de votar nele dessa vez porque acredita ser
momento de renovação. Para definir seu voto, está em busca de
honestidade sobre a realidade do país e clareza nas propostas.
“O principal é ser extremamente honesto, que diga: ‘a
situação real da economia é essa, da política é essa, vamos trabalhar em
cima disso’. Acho que acaba sendo uma utopia”, afirma, desanimada, mas
ressaltando que não quer “desperdiçar o direito ao voto” optando pelo
branco ou nulo.
Já Elaine Cristina Gurgel, de 39 anos, professora e
gestora de uma escola municipal em Janduís, no oeste do Rio Grande do
Norte, faz parte da maioria de nordestinas que gostaria de votar em Lula
– o petista aparece com 52% de intenção de voto entre as mulheres da
região.
Ela acredita que a condenação do ex-presidente é fruto
de perseguição política e atribui a ele a melhoria nas condições de vida
dos mais pobres.
Ainda assim, decepcionada com Dilma, Gurgel diz que não
sabe se votará de novo em um candidato apoiado por Lula e cogita anular
seu voto pela primeira vez.
“A Dilma não atingiu as expectativas que esperávamos. Eu
tenho medo que aconteça a mesma coisa ou até pior com esse nome que ele
venha a apresentar. Poderei votar mas vou ter que fazer uma análise”,
afirmou.
Mas não são apenas as eleitoras mais fiéis ao PT que
estão indecisas. A baiana Juliana Muniz Gonçalves, de 26 anos, que
atualmente trabalha como vendedora de brigadeiros em Irecê, no interior
do estado, foi favorável ao impeachment de Dilma.
Agora, porém, diz que prefere anular o voto a dá-lo a
algum candidato apoiado pelo presidente Temer. Lésbica, rechaça
Bolsonaro, que classifica de “homofóbico” – algo que o pré-candidato
nega ser.
Dos principais nomes que hoje se apresentam para a
disputa, ela diz que Ciro e Marina são nomes que está disposta a
avaliar. Na última eleição, ela queria votar em Eduardo Campos (PSB),
que acabou morto em um acidente de avião. Sem essa opção, não lembra
qual número escolheu na urna.
Desconfiada dos políticos em geral, ela reconhece ter pouca “consciência política”.
“Esse ano eu não consigo ver um candidato, até porque
não foram lançados mesmo os candidatos a presidente. E eu tento fugir de
qualquer discussão política no Facebook, ou qualquer outra coisa”,
disse.
Terra
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