Sem julgar o habeas
corpus, ministros do STF tiram da cartola solução que dá salvo-conduto a
Lula e impede o TRF-4 de fazer cumprir a lei. Editorial da Gazeta do
Povo:
Cármen Lúcia tanto
fez para evitar que o Supremo Tribunal Federal “se apequenasse”, mas
acabou vencida por seus pares, que resolveram colocar a corte suprema a
serviço do ex-presidente Lula. Mais incrível é o fato de que, para esse
apequenamento, nem foi necessário que o plenário do STF concedesse o
habeas corpus solicitado pela defesa de Lula. Em um desfecho que ninguém
teria previsto antes de iniciada a sessão desta quinta-feira, os
ministros conseguiram encontrar uma solução favorável ao ex-presidente
sem ter de julgar a questão propriamente dita: a sessão foi suspensa,
mas a maioria também decidiu que, enquanto o julgamento não for
retomado, em 4 de abril, Lula não poderá ser preso, ainda que o Tribunal
Regional Federal da 4.ª Região rejeite os embargos de declaração no
próximo dia 26, o que, segundo a jurisprudência atual, já permitiria que
ele iniciasse o cumprimento da pena de 12 anos e um mês.
Ocorre que, antes de
os ministros iniciarem o julgamento propriamente dito do habeas corpus,
foi preciso decidir uma questão processual: se era admissível a análise
pelo Supremo. Em outras palavras, por mais labiríntico que isso pareça,
os ministros tiveram de votar se deveria haver uma votação. Somente a
análise de admissibilidade tomou a tarde toda; quando, por 7 votos a 4,
os ministros resolveram que cabia, sim, ao plenário votar o habeas
corpus, Marco Aurélio Mello levantou uma questão prática: tinha voo
naquela noite para participar de um evento no dia seguinte (para não
haver dúvida, chegou a mostrar o cartão de embarque impresso), e por
isso pediu a suspensão da sessão, aprovada por 6 a 5.
E aqui apareceu o
pulo do gato da defesa de Lula. Quando percebeu a possibilidade de
adiamento da sessão, José Roberto Batochio argumentou que o Supremo só
retomaria as sessões em 4 de abril , mas Lula poderia ir para a cadeia
já no próximo dia 26. Por isso, era preciso que o STF também
determinasse que o ex-presidente não poderia ser preso antes que o
Supremo encerrasse o julgamento. Batochio pediu uma liminar verbalmente,
e conseguiu o que queria: novamente por 6 a 5, o Supremo resolveu
salvar a pele de Lula enquanto o habeas corpus não for analisado.
Ou seja: formalmente,
o habeas corpus ainda não foi julgado, mas, na prática, o que o Supremo
fez foi justamente aplicar seus efeitos, já que era justamente isso que
se pleiteava: que Lula não fosse preso mesmo que o TRF-4 rejeitasse o
julgamento dos embargos de declaração. Entendamos bem a gravidade do que
acabou de ocorrer: a jurisprudência foi atropelada, concedendo-se um
salvo conduto para Lula, apenas porque os ministros não quiseram dar
prosseguimento ao julgamento, alegando outros compromissos, cansaço ou
mera solidariedade aos comprometidos e cansados.
Pior ainda: com a
decisão, o Supremo ainda amarra as mãos do TRF-4, impedindo que a corte
de segunda instância faça algo que o próprio entendimento atual do STF
permite. Se, na próxima segunda-feira, os desembargadores em Porto
Alegre decidissem pelo imediato início do cumprimento da pena, não
estariam fazendo absolutamente nada de errado ou de arbitrário. Mas, com
sua decisão estapafúrdia, o Supremo agora impede uma instância inferior
de aplicar a lei. Mesmo que esse impedimento seja temporário (pois, se o
habeas corpus for negado pelo STF no dia 4, Lula não escapará da
cadeia), já se trata de uma intromissão seríssima, que só acrescenta
mais tintas de surrealidade ao que ocorreu nesta quinta-feira em
Brasília.
Durante a votação da
liminar pedida pela defesa de Lula, o ministro Luís Roberto Barroso
deixou bem claro que o fato de o beneficiado pela decisão ser um
ex-presidente em nada deveria influenciar o resultado: importava mostrar
que a lei é igual para todos, e que por isso não havia como deferir a
liminar. Infelizmente, seis de seus colegas não pensaram dessa forma.
Podia (e ainda pode) ser pior: o plenário poderia ter concedido o habeas
corpus ainda que não haja nenhuma razão plausível para tal. Mas o
espetáculo deprimente desta quinta-feira já bastou para o apequenamento
do Supremo, que tirou da cartola uma solução feita sob medida para
ajudar Lula.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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