Em artigo publicado no jornal O Globo, o editor Carlos Andreazza critica a "aflição juvenil" de FHC. "Acorda, professor":
A ansiedade é normal.
E é preciso entender a aflição juvenil de um Fernando Henrique Cardoso.
Não se pode cobrar maturidade de quem governou o país por oito anos.
Nem responsabilidade. Nem que tenha aprendido algo com os fracassos
eleitorais recentes. Nem que desça do pedestal para, em vez de aventar
candidaturas com base em laços familiares de afeto, enxergar o tabuleiro
político brasileiro em 2018 e perceber que o tal lugar do outsider já
foi ocupado por estratégia de quem outsider não é: Lula — aquele que,
por método, judicializou o processo eleitoral e impôs à Justiça que
respondesse com política.
Esta é a tragédia:
Lula, a âncora do sistema, variável em função da qual todos se orientam,
é também — por artifício próprio — o forasteiro. Ou há outra definição
para quem disputará a eleição nos tribunais, talvez até preso (não
creio), e que ainda assim tem — terá — lugar, ele próprio ou aquele que o
representar, no segundo turno? Lula é o outsider de dentro; e, contra
esse estado de anomia, garanto, a resposta aventureira é atalho para a
derrota.
Acorda, professor!
Sou um homem da
tradição. Vivemos mesmo, eu sei, o período das pequenas traições —
aquele, clássico, em que, por exemplo, o PSDB se boicota. É espantosa a
valentia da covardia dos frouxos entre si. Mas, pergunto: que tal
cultivar os costumes com moderação? Sim. É tempo dos balões de ensaio;
época pré-eleitoral em que atores — competitivos ou não — inflam a
própria estatura, até como postulantes (de assessoria de imprensa) ao
Planalto, tudo para afinal costurarem a aliança que garantirá ao partido
um candidato a vice. É o caso do estadista de jornal Rodrigo Maia, em
busca de tirar o DEM da irrelevância. Funciona assim mesmo. E, tudo bem,
há lugar para uma ou outra extravagância. As candidaturas de Dr. Rey e
Fernando Collor, por exemplo.
Excentricidade
nenhuma, porém, encobre — não por muito tempo — o fundamento
constrangedor do que é e sempre foi, sem descartar hipóteses combinadas,
oportunismo, burrice ou delírio. Chego ao ponto. Há uma óbvia
explicação para a fantasia “Luciano Huck presidente”; mas, se quiserem
entender a prosperidade dessa quimera, os encantados pelo desvario
precisarão admitir a própria compreensão infantil do que seja atividade
política, o paraíso dos arrivistas.
A Lava-Jato, como
símbolo de um país que se revoluciona (ou que assim se ilude), ensejou o
fetiche segundo o qual, criminalizada a política, haveria uma janela de
oportunidade a tal renovação, mesmo apesar de o mundo real informar
diariamente sobre a reafirmação do establishment e o esmagamento de
brechas para eleitos que não os de sempre. O sonho será — já está —
frustrado. Mas: como descartá-lo? Como, se houve o impeachment
(conquista, claro, das ruas, e não de Eduardo Cunha), se há grande
empreiteiro preso (e solto) e se um ex-presidente estaria em vias de?
Ora: neste cenário de Walt Disney, o novo (que já foi Doria), na figura
de um outsider (que ainda será Flavio Rocha), seria inevitável; a
política sem político, o porvir incontornável. É onde a resiliência Huck
entra: o Macron brasileiro (porque se prefere ignorar quem é o
presidente francês e qual a sua origem); Peter Pan a fazer acreditar na
Terra do Nunca — a mais importante candidatura da história entre as
nunca levadas a sério pelos jogadores com acesso à mesa.
Ou terá algum partido
grande (ou médio) se mobilizado por ele ou lhe aberto portas, ou
dirigido seu planejamento em função de o apresentador ser ou não
candidato? Aliás: quererá a abstração “eleitor”, ainda que cansada de
políticos, alguém de fora da política ou um nome que, de dentro ou de
fora, apresente-se como capaz de lhe resolver o problema?
O anseio por um
outsider — supostamente indicado em pesquisas — é ficção de cientista
político que vende o que o cliente quer comprar. Huck só foi uma
possibilidade presidencial onde nada se resolve (FHC não tem a mais
mínima influência no PSDB); onde há busca por garoto-propaganda que
fizesse publicidade gratuita para movimentos antipolíticos como os tais
Agora! e RenovaBR; e para quem, sem ter o que perder, poderia especular,
certo de que terá lugar no esquema profissional, uma vaga na coligação
de sempre, quando chegar a hora de sair do parquinho: o PPS de Roberto
Freire, antigo Partido Comunista Brasileiro e atual satélite tucano. O
mesmo serve para Henrique Meirelles, o fantoche por meio do qual
Gilberto Kassab negociará — a subir o preço — o apoio certo a Alckmin. E
para o tal namoro entre Joaquim Barbosa e PSB — um partido que, cindido
talvez em quatro, nem para se vender como conjunto prestará; o que
dizer de lançar candidato à Presidência?
Luciano Huck chegou
até aqui — mesmo sem nunca haver tido existência eleitoral senão para a
sobrevida de políticos sem voto ou na bolha em que vivem os empresários
culpados pela própria riqueza — como espécie de acomodação da fé
renovadora, como muleta da novidade que envelhece sem vir, como
encarnação do adiamento por meio do qual o Brasil que voa de jatinho
(financiado pelo BNDES) atrasa o quanto pode o contato com o Brasil de
verdade; esse no qual Huck aderirá ao Aécio da vez; se muito rebelde, à
Marina de turno.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário