Michel Temer, Gleisi
Hoffmann, Jair Bolsonaro e demais políticos são, ora essa, políticos.
Fazem política o tempo todo e isso é legítimo. A intervenção federal no
Rio de Janeiro tem, sim, aspectos políticos, mas a oposição a ela
também. O intolerável é fazer política contra os interesses do país, e é
do interesse do país conter a desgraça que se abate sobre o Rio. Acima
das diferenças políticas, há a essência da coisa: o Rio de Janeiro está
devastado não só pela criminalidade, mas pela institucionalização da
criminalidade. A intervenção não resolverá, mas pode mostrar caminhos,
não é um videogame do Rambo, mas também não é um chá de senhoras. Com
seus acertos e erros, torço para que os primeiros predominem e que seja o
início da construção de uma saída. Não importa que Temer ou seus
críticos estejam certos ou errados, me importa que os brasileiros tenham
clareza de apoiar as políticas que nos beneficiem objetivamente, e não
(ou, ao menos, não só) porque fulano ou sicrano do partido A ou B disse
isso ou aquilo. Politizar? Que os políticos o façam, e que nós saibamos
discernir quem politiza a nosso favor. É a minha torcida. Os que votaram
contra, radicais submetendo o destino do país a sórdido jogo
eleitoreiro, vêm nos lembrar que o Brasil só pode contar com eles para
se transformar num paraíso socialista tuiuti, cuja reserva ideológica
mais próxima de nós desse horror que só deu errado onde foi tentado, a
Venezuela, expulsa seus cidadãos que acorrem para cá.
Apoio a intervenção,
porque meu coração está com a população do Rio de Janeiro cujo cotidiano
está convulsionado e a vida é predada numa rotina de pesadelo. A
construção desse pesadelo se acelerou a partir dos anos 70 numa sucessão
de governos estaduais e municipais inspirados num esquerdismo leniente
com a bandidagem, vista como expressão de incerta brasilidade, de uma
malandragem libertária e outras miragens bacanas-tipo-descoladas, por
uma antropologia tropicaloide fronteiriça com a idiotia. Tal festim
apocalíptico em que Rousseau, Lênin e Foucault se drogam e copulam
enquanto Darcy Ribeiro, Leonel Brizola e o chefe do tráfico da hora
fazem as honras da casa, se agravou pela rapinagem patológica do governo
Cabral em associação ao petismo, à corrupção e ineficiência da polícia,
do Judiciário e do Legislativo, e à metafísica dos revolucionários da
Zona Sul, como cantores-pensadores que pensam “nos tiros na cabeça de
crianças”, se esquecendo de pensar que estes são a letra miúda do
contrato informal com o tráfico para garantir a “maresia” diária dos
revolucionários.
Não conheço os
detalhes da intervenção e tenho claro que ela é o começo de um trabalho
duríssimo, mas arrisco dizer que seu maior defeito é o momento, porque
impede a votação da reforma previdenciária. Temer esperou demais Rodrigo
Maia parar de fazer beicinho, os governistas deixarem a covardia de
lado por algumas horas, a oposição não trapacear, a privilegiatura não
disparar outra conspirata. A hesitação não se justificava, pois, se a
reforma fosse aprovada, o crédito da coisa seria negado ao presidente ─
assim como se diz que a recuperação da economia nada tem a ver com o
governo, apenas com a equipe econômica do governo e, oras, uma equipe
econômica de governo é desvinculada do governo; Mantega e Dilma?
Imagine, nada a ver um com o outro; Meireles e Temer? Também não. Ao
passo que, se rejeitada a reforma, a derrota seria atribuída ao
presidente. Porém, não é problema do presidente fazer a reforma, é sim
problema do país não fazê-la. Independentemente da aprovação, submeter a
reforma à votação confirmaria que o país, prestes a escolher um
presidente, não pode contar com esquerdistas e liberais convertidos
ontem. Sem esse exercício pedagógico, há o risco de elegermos algum
farsante e/ou radical cujo repertório político descarta reformas, a
novela reformista acaba e o Brasil morre no final.
Enquanto nos debates
em torno da intervenção federal, alguns radicais queriam uma espécie de
videogame do Rambo, a ministra Cármen Lúcia, bem guardada pela segurança
pessoal corretamente fornecida pelo Estado e regiamente paga pela
sociedade, lembrou, perdida entre alguma cena do musical “Hair” em seu
gabinete no STF, a importância do amor pelo próximo. À frente de um dos
mais caros e ineficientes sistemas Judiciários do mundo, que oferece à
população uma Justiça que já falha ao tardar nos condenando a uma
cidadania rarefeita, a presidente do STF, senão tiver mais nada a fazer,
poderia nos poupar dessa Justiça de autoajuda de balcão de papelaria.
Acuada entre tais extremos, sem uma cidadania para viver suas
potencialidades, a sociedade corre para onde? Para comprar uma arma de
fogo, querem os defensores do fim do estatuto do desarmamento.
Discordo, menos por
convicção e mais por considerar fracos os argumentos contrários. Entre
eles, o menos inconsistente é a comparação com os Estados Unidos. O
primeiro problema é que os Estados Unidos, por seu IDH (Índice de
Desenvolvimento Humano), devem ser comparados ao Japão ou à Alemanha,
por exemplo. Não ao Brasil, que deve ser comparado à Venezuela ou
Colômbia. Comparados ao Japão ou à Alemanha, países em que a circulação
de armas é extremamente restrita, os Estados Unidos são uma carnificina.
Além disso, os
americanos, por aspectos socioculturais que contemplam características
peculiares desde a ocupação, a luta e a defesa de territórios, passando
pela Guerra Civil, têm gravada na sua noção de cidadania uma relação tão
“natural” quanto madura com armas muito diferente da que o brasileiro
tem. Minha sensação é de que, em geral, o brasileiro tem uma relação com
armas mediada pelo deslumbramento. Claro que há entre nós pessoas
responsáveis e conscientes que não terminariam à bala um desentendimento
na fila do cinema. Como há entre nós muitos que não bebem antes de
dirigir. O diabo é que somos líderes em mortes no trânsito/estradas e
receio que, num país em que os Detran liberam carta de motorista até
para deficientes visuais, o controle e a fiscalização na concessão de
porte/posse de arma obedeçam também ao nosso detestável jeitinho. Claro
que não acho que o cidadão-de-bem deve ser morto sem o direito de se
defender, só acho que ter uma arma nem é um direito e nem garante ao
cidadão essa defesa dourada. Ter uma arma também não me parece
dissuasório, pelo menos não foi para os 137 policiais abatidos como
bichos no Rio, em 2017. Sim, nos Estados Unidos o aviso “armed response”
dissuade invasões. Mas só o aviso? A certeza de ser e permanecer preso
não conta? Quantas propriedades sem o alerta são invadidas em relação às
que o exibem? No Brasil, o mesmo aviso serviria de chamariz para
assaltantes que cobiçassem a arma.
Nada disso são
certezas que protejo com um “armed response”, são apenas impressões não
imutáveis de uma cidadã perplexa como os demais brasileiros, sem uma
cidadania pra viver, mãe angustiada num país com esta cidadania tão rala
que ─ diante do futuro que a reforma da previdência ajudaria a clarear e
o presente que a intervenção pode tornar menos ameaçado de eliminação
cotidiana ─ nem sequer pudemos dar uma chance melhor à civilização
mantendo ambos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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