O jurista Modesto
Carvalhosa pergunta: onde está escrito, na Constituição, que o Congresso
tem legitimidade para promover autonomamente - e no seu interesse - uma
reforma política? A CF exige, responde ele, a realização de plebiscito:
A reforma política em
curso no Congresso peca de vício de origem que a torna absolutamente
inválida no âmbito de um estado de direito. Nossa democracia funda-se no
princípio da soberania do povo, inscrito no artigo 1º da Constituição
Federal (CF), cujo sistema de representação, à luz do artigo 14 da mesma
Carta, só poderá ser alterado por plebiscito, aí incluídos os temas
cláusula de barreira e financiamento público de campanha.
Na Constituição de
qualquer país democrático, e muito menos aqui, não há autorização para
os mandatários aprovarem uma autorreforma política, usurpando a
soberania do povo. Só falta, em seguida, admitir que mera PEC substitua
presidencialismo por parlamentarismo…
Ora, nem os Estados
Unidos ousaram rever seu arcaico sistema eleitoral. E, de todo modo,
nenhum país verdadeiramente democrático ousaria fazê-lo sem a necessária
consulta prévia ao eleitorado, oferecendo diversas opções de mecanismos
de representação e financiamento de campanhas eleitorais.
A finalidade da
cláusula de barreira e do financiamento público de campanhas nessa
inaceitável reforma é, doravante, em todas as esferas, perpetuar no
poder seus atuais detentores e impedir o surgimento de novos partidos e
candidaturas independentes, eliminando uma das bases da democracia, isto
é, a alternância e a constante renovação dos representantes do povo.
Mas o chamado Fundo
Especial de Financiamento da Democracia (?!) de até R$ 6 bilhões não
pode ser acolhido por ferir o princípio fundamental da separação entre
os recursos públicos e os privados.
Pessoas jurídicas de
Direito Privado que são, os partidos políticos, segundo o artigo 17 da
CF, apenas podem receber do Estado o atual Fundo Partidário e o acesso
gratuito ao rádio e à televisão.
Além do mais,
qualquer outro benefício inventado pela autorreforma política esbarra na
norma que veda a fixação de despesa sem a previsão da respectiva
receita (artigo 165 da CF), princípio fundamental e inderrogável por
qualquer PEC.
A propósito, onde
está escrito na Constituição que o Congresso tem legitimidade para
promover autonomamente e no seu único interesse uma reforma política,
ignorando a soberania popular consagrada pelos artigos 1º e 14º da CF?
A sede de poder
revelada por esse monstrengo de autorreforma política também atenta
contra os princípios da moralidade e da impessoalidade, que devem
presidir à conduta dos mandatários de cargos públicos (artigo 37 da CF).
Os pretextos para
essa autorreforma das estruturas de representação popular são
insubsistentes, tanto mais quanto se sabe que o voto distrital puro, a
ser objeto de imperioso plebiscito, diminui os custos de campanha
drasticamente (80%) e vincula aos eleitores o representante escolhido
pelo distrito, acabando com a dispersão de votos e a desproporção de
parlamentares federais por estado.
A vingar essa
autorreforma, típica de república das bananas em que vamos
gradativamente nos transformando, a corrupção será generalizada nas
eleições de 2018 e seguintes, pois uma fortuna de R$ 3 bilhões a R$ 6
bilhões estará à disposição dos caciques dos partidos, dos seus
milionários marqueteiros, sobrando ainda muito dinheiro do povo para a
compra de votos através de cabos eleitorais pagos a peso de ouro
(prefeitos, vereadores, presidentes de associações de bairros, chefes de
comunidades etc.), tudo isso sem contar que o crime organizado
certamente entrará firme nas “campanhas cívicas” para dividir o botim
tirado do Estado.
Portanto, cabe ao STF
pôr cobro a esse desmanche dos fundamentos de nossa democracia,
determinando a convocação de plebiscito para decidir — sim ou não —
sobre as propostas de reforma política.
E nós, o povo,
devemos ir às ruas e impedir que essa monstruosidade venha não só
legalizar, mas constitucionalizar a corrupção eleitoral. (O Globo).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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