Com o déficit fiscal
chegando aos R$ 160 bilhões, é um acinte a criação do FFD, Fundo
Especial de Financiamento da Democracia (que nada tem a ver com
democracia, aliás). Artigo de Gil Castello Branco, fundador do Contas
Abertas, publicado no jornal O Globo:
O americano Roger von
Oech, considerado um especialista em inovação, costuma repetir frase
curiosa: “Quem gosta de mudança é bebê molhado”. Em sendo assim, os
brasileiros estão ansiosos para que lhes troquem as fraldas.
Os sinais são
evidentes. A pouco mais de um ano das próximas eleições para a
Presidência da República, governos estaduais e Congresso Nacional, 94%
dos eleitores não se sentem representados pelos políticos em quem
votaram (Instituto Ipsos). A estatística é confirmada por pesquisa da
Ideia Big Data, na qual 79% dos entrevistados afirmaram que gostariam de
ver cidadãos, de fora da política, candidatos em 2018. Em outra
indagação, 59% dos cidadãos disseram que gostariam que o(a) próximo(a)
presidente do Brasil não fosse nem do PMDB, nem do PSDB e nem do PT.
Essas respostas, dentre muitas outras, caracterizam a rejeição quase
generalizada à classe política, independentemente de partido.
Os nossos
parlamentares, porém, insistem em legislar conforme os próprios
interesses pessoais e partidários, ignorando, completamente, o que
pensam os eleitores. E tome casuísmo! A reforma eleitoral atualmente
debatida na Câmara dos Deputados, por exemplo, decorre de ato do
presidente da Casa, de 4 de maio de 2017, que criou uma Comissão
Especial destinada a proferir parecer à Proposta de Emenda à
Constituição nº 77-A, de 2003! Estão discutindo em quatro meses tema que
não avançou em 14 anos. E tudo tem que ser às pressas, até no máximo o
fim de setembro, para que as regras já possam valer no próximo ano!
Regras que os beneficiem, é claro...
Na discussão da
reforma eleitoral, ao invés de debaterem a redução do custo das
campanhas, propõem a criação do FFD, o Fundo Especial de Financiamento
da Democracia, no montante de 0,5% da receita corrente líquida apurada
no ano anterior, o que irá somar cerca de R$ 3,6 bilhões nas bases
atuais com a receita murcha. Quando a economia voltar a crescer, o valor
subirá automaticamente. A “bolada” será distribuída pelo Tribunal
Superior Eleitoral aos órgãos de direção nacional dos partidos, que
estabelecerão os critérios para a repartição do dinheiro. Ou seja, os
atuais caciques — em sua maioria atolados na Lava-Jato — irão escolher a
quem destinar os recursos.
E, pasmem, a esse
valor se somariam os R$ 800 milhões (R$ 819,1 milhões em 2017) do Fundo
Partidário hoje existente e a renúncia fiscal para que TVs e rádios
transmitam o horário eleitoral (cerca de R$ 600 milhões, em anos
eleitorais). É oportuno lembrar que, segundo o TSE, as eleições gerais
de 2014 custaram aproximadamente R$ 5,1 bilhões, sem contar o caixa 2 e
as propinas. Não por acaso, se somarmos o FFD, com o Fundo Partidário e
com a isenção fiscal do horário eleitoral, chegaremos a cerca de R$ 5
bilhões. A pretensão dos políticos, portanto, é apenas substituir o
financiamento privado pelo público, em montante semelhante. A ideia
predominante parece ser “mudar” para tudo permanecer como está. As
eleições brasileiras estão entre as mais caras do mundo.
No momento em que o
déficit fiscal atinge a aproximadamente R$ 160 bilhões, a criação do FFD
é um acinte. Com R$ 3,6 bilhões é possível construir 1.895 creches, que
atenderiam 300 mil crianças, ou 1.018 escolas com capacidade de atender
439 mil alunos por turno! Na área da saúde, o Fundão dos políticos
corresponderia à construção de 2.571 Unidades de Pronto Atendimento
(UPA) ou à aquisição de 29.328 ambulâncias. Em outra comparação, em 2016
o gasto integral da União com saneamento urbano e rural foi de R$ 3,2
bilhões, valor R$ 400 milhões inferior às cifras do tal FFD. Na verdade,
o fundo que as excelências pretendem para financiar a política, bancado
ou não por emendas parlamentares, é um verdadeiro escárnio com a
democracia. Enquanto isso, dirigentes dos partidos voam em jatinhos
alugados, e a isenção fiscal banca propagandas repetidas em horário
nobre da TV.
Com a dinheirama do
novo fundo associada ao “distritão”, os atuais mandatários, que já
possuem exposição na mídia e têm boas relações com os caciques
partidários, levariam vantagem sobre os novos candidatos. Mudar para
quê, devem pensar os políticos?
A indignação dos
brasileiros, entretanto, é enorme. Se não está nas ruas, está presente
nas redes sociais e na alma. As consequências, muito provavelmente,
serão vistas nas próximas eleições. Voltando aos bebês, não custa
lembrar a frase atribuída a Eça de Queiroz: “Políticos e fraldas devem
ser trocados de tempos em tempos, pelo mesmo motivo”. Assim seja, em
2018!
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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