No Observador, o texto sarcástico do jornalista Alberto Gonçalves sobre a "turismofobia" , a renitência da extrema-esquerda portuguesa etc.:
Na semana passada,
escrevi aqui sobre o surto de xenofobia que deseja escorraçar
estrangeiros. Acrescento que a tendência se limita aos estrangeiros que,
com grande desfaçatez, pretendem visitar as nossas praias, comer nos
nossos restaurantes, dormir nos nossos hotéis, engordar o nosso PIB e,
em suma, fazer turismo. O turismo, escusado dizer, é hoje a actividade
mais desprezível ao alcance do ser humano, uns degraus abaixo do abuso
de velhinhas e da participação voluntária no “Prós e Contras”. Por isso,
abominar os alemães, espanhóis ou coreanos que andam por aí, de mapa em
punho, a contaminar a pureza da raça e da cidade lusitana, nem sequer é
bem xenofobia. No máximo, é uma reacção patriótica, um acto louvável de
resistência ao “outro” que não perturba a sensibilidade dos que gritam
“racismo” a uma crítica negativa da Obra de Jay-Z.
De resto, qualquer
tentativa de reduzir os portugueses a um povo xenófobo seria absurda. Em
primeiro lugar, porque os portugueses que odeiam turistas são só
aqueles que dispõem dos “media” para partilhar a sua compreensível
raiva. Em segundo lugar, porque, além de odiarem turistas, os xenófobos
bonzinhos também odeiam a xenofobia. Em terceiro lugar, porque possuímos
conterrâneos do calibre de Luís Silva, o herói que, sem receio de
arranjar bolhas nos pés e aparecer no “Público”, executa “uma caminhada
solitária de 500 quilómetros pela costa alentejana e algarvia até à
fronteira com Espanha” a fim de “angariar fundos para associações que
ajudam refugiados” (de modo a simular as condições dos ditos, Luís Silva
“leva na mochila uma muda de roupa, uma lata de salsichas e de atum e
um saco-cama”. O “Público” não informa se, a benefício do realismo, o
rapaz tentará afogar um cristão na Praia da Rocha). Em quarto lugar,
porque não há xenofobia má num país cujo governo isenta os estrangeiros
de condições formais para adquirirem autorização de residência e não
expulsa os que cometerem “homicídios, roubos violentos ou tráfico de
droga”.
Leram? Comparado com
isto, o texto no pedestal da Estátua da Liberdade é o “Mein Kampf”.
“Dêem-me os exaustos, os pobres, as massas oprimidas que anseiam por
respirar em liberdade”, etc. Não brinquem comigo: Portugal podia, e
devia, plantar no Tejo uma estátua do dr. Costa com calção de banho e
telemóvel ligado, a pedir ao mundo que lhe enviasse os desempregados, os
candidatos a subsídios e habitações “sociais”, os assassinos, os
ladrões, os traficantes, os violadores, os bombistas, os zarolhos e os
sifilíticos. E que aceitasse de volta os insuportáveis turistas,
incapazes de cumprir um único dos critérios estipulados pela esquerda
para que uma pessoa possa ser respeitada.
Sobra um pequeno
problema, o dos portugueses que tencionam viajar lá fora e arriscam-se
ao tratamento de repulsa providenciado cá dentro. Por sorte, existe
igualmente uma grande solução: basta chegar à alfândega, exibir a
carteira vazia e invocar um dos diversos estatutos admissíveis, de
preguiçoso amador a terrorista profissional. Se a reciprocidade
internacional valer de alguma coisa, não apenas conseguiremos férias
sossegadas, mas férias pagas.
Notas de rodapé:
1. Adeptos de
um clube agridem um repórter televisivo. Não me interessa o clube em
causa. Mas acho interessante que a televisão seja a CMTV, a qual, para
não ofender os simpatizantes do tal clube – que pelos vistos representam
boa parte das respectivas audiências –, dedica ao sucedido o tempo que
dedicaria à criação de trutas na Finlândia. Eis, pois, um canal que
prefere ver os seus funcionários espancados do que arranjar chatices.
São critérios editoriais, que estranhamente não retiram à CMTV certa
fama de independência e valentia. E o engraçado, se estas coisas têm
graça, é que o equívoco está longe de se esgotar no futebol. No resto,
sob o fascínio por incêndios, uma obsessão por fardas, a violência
“doméstica”, as tarólogas, os “casos” de “possessão demoníaca”, o
sentimentalismo, o “social” e tudo aquilo que passa por entretenimento
nos dias que correm, o que distingue a CMTV da vassalagem ao poder de
uma TVI? Sobretudo Sócrates, cujas deploráveis figuras a estação nunca
cessou de denunciar, ao contrário da concorrência e por motivos que o
vulgo não alcança. Se o vulgo alcançasse, perceberia melhor o estado do
jornalismo em Portugal. E o estado de Portugal.
2. Por falar
em futebol e em televisão, constato que se anuncia com arrebatamento a
chegada das “novas tecnologias” às transmissões dos jogos. Só não estou
na rua a festejar o acontecimento porque descubro a tempo que as “novas
tecnologias”, ou “vídeo-árbitro”, consistem justamente nisso: um árbitro
a olhar para um vídeo. No mundo real, isto seria novo em 1970. No mundo
da bola, cujos “agentes” parecem com frequência habitar o paleolítico,
as novidades merecem um desconto.
3. Nas
chamadas “redes sociais”, nota-se certa indignação face ao apoio da
nossa extrema-esquerda ao regime do sr. Maduro. É preciso paciência.
Desde tempos imemoriais que, por estas ou outras palavras, a nossa
extrema-esquerda se especializou na defesa frenética de cada sociopata
disponível, logo que este chacinasse trabalhadores em prol do respectivo
progresso. E ainda há quem se espante com o facto. É quase uma
desfeita, no mínimo um acto de desconsideração. Sem vestígio de pudor,
pensadores como o dr. Louçã, o prof. Boaventura e a redacção do
“Avante!” em peso andam há décadas, aos saltos e aos berros, a criticar
as democracias e a louvar tiranias sortidas. Não obstante, continua a
haver pasmados que, indiferentes ao esforço alheio, ouvem as alucinações
dos vultos citados sobre a Venezuela e não acreditam nos próprios
ouvidos: “Olha que vergonha, o senhor professor arquitecto Louçã está ao
lado do orangotango de Caracas contra o povo!”. Meus caros: está,
esteve e estará. O socialismo não é “científico” por acaso, mas porque
falha com meticulosa exactidão. Excepto nas camadas superficiais e
infantis da retórica, o dr. Louçã e as criaturas que disputam o pântano
leninista com o dr. Louçã nunca, nunca, nunca preferiram a liberdade à
ditadura, a justiça à opressão, a civilização à barbárie. Em mais do que
um sentido, essa gente representa exactamente a ditadura, a opressão e a
barbárie. No dia em que deixar de representar, podem espantar-se à
vontade.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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