Partidos continuam sendo importantes, escreve Carlos Andreazza no Globo. Não é porque os nossos estão podres que chegaremos a melhor arranjo sem eles:
Nunca foi tão
premente lembrar a obviedade de que mudar nem sempre é para melhor.
Perigosos são os ventos de mudança — brisa a afagar os oportunistas —
quando ela, por si só, transforma-se em valor; ocasião em que mudar se
constitui em solução independentemente do conteúdo daquilo que virá.
Porque mudar significa tanto tirar quanto ter de colocar algo no lugar. E
não sem o risco adicional próprio aos vácuos.
Escrevo isso a
propósito do que chamam de reforma política. Não à toa, o mesmo
enunciado serviria como crítica ao jacobinismo corrente, que cuspiu a
política partidária na lama — e que fomenta as condições ideais para a
ascensão de salvadores da pátria.
Entre os graves erros
recentes cometidos pelos 11 supremos em que consiste o Supremo Tribunal
Federal hoje, colegiado que tomou gosto por arroubos legisladores em
agrado à pressão das ruas e, logo, em detrimento da Constituição, poucos
terão sido maiores do que a determinação, de 2015, que proibiu o
financiamento empresarial de campanhas eleitorais. Algo equivalente a
botar um edifício abaixo porque seus moradores não respeitavam a
convenção do condomínio. Demolição feita sem considerar quais seriam os
engenheiros do novo prédio — e o tipo de projeto que poderiam desenhar.
Jogando para a
galera, the supremes retiraram o bode imundo da sala sem medir o
elefante — não necessariamente limpo — que teria de entrar até setembro
de 2017, data limite para que novas regras pudessem valer no pleito de
2018. Essa é a hipótese generosa — a de que não houvessem calculado
integralmente o populismo da decisão. Há, porém, a realista: a de que
soubessem muito bem a consequência do que estabeleciam.
Desde então, sem que
se avaliasse o que sobraria como alternativa, a leviandade com que se
demoniza toda relação entre política partidária e iniciativa privada
teve crescente apoio da imprensa e a chancela daqueles operadores da
Lava-Jato que trabalham contra a Lava-Jato. Nesse período, a
criminalização do financiamento eleitoral por empresas foi completada
pelo monopólio do Ministério Público sobre o instituto da delação
premiada – precisamente, sobre o modo de manipular (e vazar) o teor da
caguetagem.
Não tardaria, pois, a
que se chegasse à bizarria segundo a qual mesmo contribuições legais
fossem tratadas como propina, coisa tão impossível de provar, e do que
seria necessário desconfiar (tanto mais se acusação vinda de quem só
quer se safar), quanto golpe aleijador na atividade política,
notadamente a legislativa. Quando, doravante, um empresário — um honesto
— quererá botar dinheiro em campanha?
Um caminho sem volta,
que deu no que deu: a engenharia do buraco que nos aprofunda do mal
para o pior — porque o estamento político sempre encontra a arquitetura
da própria sobrevivência.
Na última quarta, dia
decisivo ao encaminhamento do sistema eleitoral que vigerá em 2018, o
deputado Lucio Vieira Lima — presidente da comissão que cuida da reforma
política — teve uma conversa de pé de ouvido captada pelo microfone. E o
que falou o irmão de Geddel? “Já aprovamos o que queríamos. O resto,
agora, se der voto, deu...”
E o que queria — e
havia conseguido — esse patriota? Ora, qual a única maneira — a que
restou — de pagar campanhas sem a contribuição de empresas? Isto mesmo: o
financiamento público; que tira do Orçamento da União os bilhões que
deveriam provir, com rígido controle, da iniciativa privada; que aumenta
o peso do Estado na vida pública quando o deveríamos estar enxugando;
que substitui um modelo de que o PT foi o maior beneficiário, cujo
esgotamento fabricado é obra do partido, para instituir aquele que é
sonho histórico do petismo. E todo mundo embarcou de novo...
Traído pelo microfone
aberto, Vieira Lima expôs a concertação que uniu quase todos os
partidos. Assegurar que o Estado banque as eleições do ano que vem era
só o que interessava ao establishment político na falsa reforma, todo o
resto sendo aperfeiçoamento periférico de mecanismos de preservação do
status quo. Inclusive o tal distritão. Periférico, mas não inofensivo.
Para quem tem a
democracia representativa como valor, distritão é retrocesso — triunfo
da elite partidária em detrimento da vida partidária. Difícil encontrar
modelo tão eficiente ao mesmo tempo para barrar a renovação parlamentar e
minar o desenvolvimento dos partidos como centros de pensamento, de
formulação de políticas públicas — algo de que estamos distantes, e do
que, assim, escolhemos nos afastar ainda mais.
Partidos são
importantes. Não é porque os nossos estão em grande parte podres que
devemos supor que chegaremos a melhor arranjo sem eles. O distritão é
prova disso, uma escolha antipolítica, que, ao eleger vereadores e
deputados de forma majoritária, aparta-se do valor da representação para
se escudar no personalismo. Sistema que cunha um parlamentar dono
absoluto do próprio mandato — o que, associado ao financiamento público,
forja um representante dispensado de prestar contas, igualmente a
partido e sociedade, durante quatro anos.
Na Câmara, serão
potencialmente 513 prefeitinhos. Aliás, terão já os detratores do modelo
atual — os que reclamam de que a votação maciça num Tiririca elege
legisladores sem votos — considerado que o distritão favorecerá a
eleição de 513 Tiriricas?
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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