Em sua coluna na FSP, Luiz Felipe Pondé
desanca a autoajuda e o politicamente correto, essas duas formas de
mau-caratismo que infestam a sociedade. Uma leitura realista em tempos
de pieguice alimentada por ideologias:
Acho a autoajuda e o
politicamente correto duas formas de mau-caratismo. Minha crítica máxima
aos dois nasce da minha certeza (tenho poucas) de que o sofrimento é
fonte inexorável do amadurecimento, coisa rara em épocas retardadas como
a nossa. O projeto contemporâneo é chegar aos 60 anos com cabeça de 15.
Logo, retardo mental como projeto de vida. Uma conquista contra a
inteligência.
Um dos temas
prediletos do mau-caratismo é a chamada "terceira idade". Um mercado,
claro, devido à longevidade da espécie nos últimos anos. Já se tratou a
velhice como "melhor idade" também. Uma ofensa à experiência humana
real.
A longevidade
estendida é um dos casos mais claros da famosa ambivalência descrita por
Zygmunt Bauman (1925-2017). Um bem evidente por um lado, um drama
humano gigantesco por outro, sem solução, como toda ambivalência que se
preze. O mais sábio dos meus amigos costuma dizer que uma das versões do
inferno no futuro será a impossibilidade de morrer. Você vai querer
morrer e não conseguirá.
Sem fazer referência
necessariamente a toda gama de pessoas que vegetam por aí em leitos
aparelhados com tecnologia de "primeira linha" para a humanidade
vegetativa, a longevidade puramente fisiológica, muitas vezes
acompanhada pela perda de funções cognitivas essenciais, atormentará o
humano daqui para a frente.
A maravilhosa peça "O Pai",
de Florian Zeller, com direção de Léo Stefanini, cujo elenco é
encabeçado por Fulvio Stefanini (brilhante como o pai da peça, vencedor
do Prêmio Shell de melhor ator em 2016), em cartaz no teatro Fernando
Torres, em São Paulo, é essencial para pensarmos o tema da longevidade
para além do marketing da longevidade.
Este é caracterizado
por um discurso, como (quase) sempre no marketing, de facilitação da
realidade em nome de um otimismo besta.
O impacto dos avanços
tecnológicos, científicos e médicos criaram uma sobrevida na espécie
humana jamais imaginada. Vivemos mais, mas somos cada vez mais
solitários. Muito metabolismo para uma alma cada vez mais dissociada de
si mesma. A peça tem, entre outras qualidades, a capacidade de levar
você para dentro dessa alma idosa longeva e solitária, graças ao texto,
às interpretações e à direção.
A solidão é uma
epidemia contemporânea, em meio ao maior surto de histeria já enfrentado
pela humanidade. Solidão e histeria, juntas, formam uma mistura
explosiva em termos epidemiológicos.
Os avanços sociais e
políticos, passo a passo com os avanços técnicos citados acima, produzem
uma sociabilidade cada vez mais egoísta —o egoísmo é a grande revolução
moral moderna. As pessoas emancipadas tendem ao egoísmo como forma de
autonomia.
Inteligentinhos não
entendem isso muito bem porque são as maiores vítimas do marketing de
comportamento que se pode imaginar. Emancipados pensam em si mesmos,
antes de tudo, como consumidores do direito ao egoísmo.
Sempre soubemos que
os idosos sofrem na mão dos filhos homens e de suas mulheres, que quase
nunca suportam seus sogros, que insistem em ficar vivos. As filhas, que
quase sempre suportaram o ônus da lida com os pais, agora se libertam e
também querem vida própria (claro que existem exceções ao descrito
acima, que filhos, filhas, genros e noras ofendidinhos não fiquem
nervosos em demasia).
As filhas também têm o
direito de cuidar de si mesmas, é evidente. Deixar os pais na casa de
repouso é um "direito de todo cidadão" que quer ser feliz sem ter que
viver cuidando de pais que nunca morrem. Por isso que o mercado
gerontológico só cresce.
Além disso, a
crescente queda na natalidade, que caracteriza os mesmos países de
crescente população longeva, só tende a agravar o quadro. Baixa
natalidade e alta longevidade são ambas frutos da mesma riqueza
instalada na sociedade: alta tecnologia e direitos sociais são
manifestações diretas dessa riqueza. Filhos únicos serão idosos longevos
solitários, dependentes de serviços que ocupam o vazio deixado pelas
famílias.
Qual a solução pra isso? Não há. Um mundo de velhos solitários é o futuro de um mundo de ricos autônomos e amedrontados.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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