Para Denis Rosenfield
(artigo publicado no Estadão), o direito que está sendo conquistado com a
reforma trabalhista é o da liberdade de escolha. Ponto para a reforma,
portanto:
A discussão ora em
pauta sobre a modernização da legislação trabalhista, a ser votada nesta
semana no Senado, tem implicações morais que dizem respeito à autonomia
dos cidadãos. Apresenta-se uma verdadeira mudança de paradigma,
centrada no trabalhador enquanto capaz de tomar suas próprias decisões,
não necessitando da tutela do Estado.
Historicamente, a
atual legislação remonta, de um lado, ao positivismo e, de outro, à
legislação corporativa, de cunho fascista. Na perspectiva positivista,
clara em Augusto Comte e em seus discípulos franceses e brasileiros,
tratava-se de incorporar o “proletariado” à rede de proteção social, de
tal modo que pudesse, por exemplo, ter garantias de salário e,
principalmente, de educação. Na perspectiva corporativa, tratava-se da
mesma ideia de incorporação, sempre e quando obedecesse à própria tutela
do Estado a organizar estas relações em seu interesse político. O
presidente Getúlio Vargas, não esqueçamos, foi formado na tradição
positivista gaúcha, que ali foi mais forte do que em outros Estados da
União.
Naquele então
estávamos diante de uma situação de exclusão do “proletariado”, que
clamava por uma proteção inexistente. O preço a pagar era sua
subordinação às orientações dos governantes, que guiavam sua conduta.
Muito diferente é a situação atual, com os trabalhadores usufruindo
constitucionalmente direitos e com ampla capacidade de mobilização por
meio de seus sindicatos.
O mundo mudou e a
legislação trabalhista não acompanhou essa mudança no País. O resultado
desse descompasso se apresenta na extrema judicialização de qualquer
conflito, com uma Justiça do Trabalho abarrotada de demandas e
ideologicamente atrelada a um mundo que já não existe. Aliás, diz-se de
esquerda, o que não faz muito sentido, salvo na acepção de um
positivismo ou fascismo de esquerda!
Tome-se um dos pontos
centrais da atual proposta de modernização, o de que a convenção
coletiva passaria a ter força de lei. Observe-se, inicialmente, que não
há nenhuma subtração de direitos em questão, apesar das declarações
vazias dos representantes desse passado corporativo e tutelar. Por
exemplo, parcelar férias por decisão autônoma de empregadores e
empregados não anula o direito de usufruir férias, cuja duração não
sofre nenhuma alteração.
O mesmo vale para as
jornadas de trabalho conforme as especificidades de cada setor. O que é
válido para um trabalhador da indústria automobilística não vale para os
setores de enfermagem ou vigilância. Caberia aos trabalhadores de cada
setor, juntamente com os seus empregadores, decidir o que mais lhes
convém.
Uma vez que o acordo
coletivo tenha força de lei, haverá uma verdadeira restituição de
direitos, do ponto de vista da sociedade e dos trabalhadores em
particular. O direito que está sendo conquistado é o de liberdade de
escolha, direito central em qualquer Estado livre. Se os trabalhadores
são tutelados por uma Justiça trabalhista onipotente, que legisla por
súmulas, eles são considerados como submissos, não livres, incapazes de
tomar uma decisão por si mesmos. Não são tidos por cidadãos, mas por
súditos.
A autonomia dos
indivíduos e de suas organizações, dentre as quais os sindicatos, é
central em todo Estado pautado pelos princípios da liberdade. Deve a
sociedade apropriar-se de sua liberdade de escolha, reduzindo a margem
de arbítrio das intervenções legislativas impostas de cima. Insista-se
em que os trabalhadores e a sociedade em geral estão se apropriando de
direitos que lhe foram usurpados. Não há perda de direitos, mas
conquista.
A linguagem de perda é
produto de uma forma de organização estatal e legislativa guiada pela
tutela dos indivíduos. Nesse sentido, a perda de direitos deve ser
entendida como perda de um “direito estatal”, que tomou o lugar da
liberdade de escolha. Ou seja, estaríamos diante de uma oposição entre
tutela e autonomia. A linguagem da perda serve apenas aos que percebem a
sua esfera de arbítrio sendo reduzida.
Ademais, ela se
baseia igualmente numa concepção ideológica segundo a qual se o capital
ganha o trabalhador perde, e seu inverso. Seria um jogo de ganha-perde, e
não o de ganha-ganha que preside as relações de sociedades capitalistas
democráticas. Uma empresa só vai bem se seus ganhos são compartilhados
por todos.
Temos hoje o caso de
conflitos trabalhistas cujas decisões de juízes tornam inviáveis
pequenas e médias empresas, jogando outros trabalhadores ao desemprego e
reduzindo o pagamento de tributos que têm destinação social. Os
exemplos seriam inúmeros. A atual legislação atiça conflitos, em vez de
regulá-los e mesmo evitá-los.
O governo Temer tomou
a ousada decisão de levar a cabo essa necessária modernização da
legislação trabalhista, enfrentando preconceitos e interesses
corporativos há muito arraigados. Note-se que ela foi conduzida por seu
ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, que, preliminarmente, fez toda
uma negociação com as centrais sindicais e as confederações patronais.
Nogueira apostou e foi bem-sucedido no diálogo e na persuasão.
Observe-se que os
pontos atualmente mais conflitivos são os que não constaram daquela
negociação, a saber, o do trabalho intermitente e o da extinção da
contribuição sindical. Nesse aspecto, as centrais sindicais e
confederações patronais têm razão em protestar, uma vez que se ativeram
ao que tinha sido negociado e foram apanhadas de surpresa com a
mudança.
O bom senso indicaria
negociações sobre esses pontos, que poderiam, por exemplo, contemplar a
extinção progressiva da contribuição sindical obrigatória em três anos,
atendendo às partes envolvidas. Ou outra solução levando em conta as
especificidades dos setores urbano e rural.
Valeria o novo espírito de diálogo, e não o da imposição.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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