O
jornalista Alberto Gonçalves, severo crítico do bloco de esquerda que
governa Portugal, alinha alguns acontecimentos que, segundo ele,
constituem "uma experiência do Terceiro Mundo" naquele país. A crítica é
impiedosa, algo que nenhum jornalista daqui faz em relação ao Brasil,
que se tornou um Grotão lulista destruído econômica, política e
moralmente. Texto publicado no jornal eletrônico Observador:
Em Maio
passado, gastei uma quantidade inusitada de tempo a fazer o que nunca
faço: reler as minhas crónicas, no caso as que escrevi sobre o actual
governo. O propósito era nobre, e prendia-se com a publicação de um
livro saído esta semana (pausa publicitária: que mil familiares do dr.
César lhe desabem na cabeça se ainda não adquiriu tão magnífica obra). A
experiência foi traumática, para dizer o mínimo. Acompanhar a chamada
“actualidade”, de modo a garantir a coluna no Observador, é convívio
mais do que suficiente com os bandos que tomaram conta disto. Não é
clinicamente aconselhável reforçar a confraternização.
Os
textos em causa, muito menos por mérito do autor do que pelo evidente e
portentoso demérito das criaturas que mandam em nós, são premonitórios.
Na medida em que as premonições não primam pelo optimismo, são também
deprimentes. Desde o primeiro momento, a loucura intrínseca à aliança
das “esquerdas”, legitimada por um Presidente que o artigo 328.º do
Código Penal me impede de comentar, mostrou ao que vinha e para que
servia. O impressionante não é que o desastre se tenha confirmado com
estrondo, mas que durante ano e meio o desastre se confundisse, para uma
notável percentagem da população, com um relativo sucesso. A sucessão
de glórias circenses, da bola às cantigas, passando pelo Santo Padre ou
pelo Santo Guterres, não explica tudo. A submissão de boa parte dos
“media” explica um bocadinho. As benesses do turismo explicam outro
bocadinho. A apatia do bom povo e o júbilo das clientelas talvez
expliquem o resto.
Certo é
que, em poucas semanas, alguma coisa mudou. Não mudaram o circo, os
“media”, o povo ou as clientelas. Sucedeu apenas que, de repente ou nem
por isso, a realidade tornou-se impossível de negar. E a invencível
nação que, de acordo com a propaganda, maravilhava a Terra acordou
destapada. E feia. Foram necessários dezenas de cadáveres carbonizados e
um picaresco (e aterrador) roubo de armamento ao exército para expor, à
revelia da maquilhagem e do “spin” e das “boas notícias”, a natureza da
gente que ocupa o poder.
Não tem
sido um espectáculo agradável, excepto para apreciadores da
incompetência, do descaramento e da radical ausência de dignidade. É, em
suma, uma gente literalmente abjecta. Perante a tragédia, eles decretam
o caso resolvido. Perante o desleixo, lembram desleixos maiores.
Perante as dúvidas, confessam sentimentos. Perante as câmaras, dão
abraços. Perante a culpa, acusam eucaliptos e furriéis. Perante o caos,
pedem avaliações de popularidade. Perante a obrigação, partem de férias
para Ibiza, a subjugar espanhóis com a barriga e um par de cuecas.
A
propósito de Espanha, é revelador que, apesar dos divertidos esforços
dos “jornalistas” de cá para os calar, sejam sobretudo os jornais de lá a
contar-nos o que o “estrangeiro” vê quando olha para aqui. Vê uma
anedota perigosa, um manicómio em auto-gestão, uma experiência do
Terceiro Mundo às portas da Europa. E, naturalmente, assusta-se.
O susto
não é descabido. Descabido é o rumo que, com a sensatez habitual, o
“debate” indígena ameaça seguir. A oposição, se a palavra se aplica,
andou uma semana a lamentar o colapso do Estado e a reclamar a demissão
dos ministros da Administração Interna e da Defesa e o regresso do dr.
Costa. Para quê? Não imagino. A substituição de duas insignificâncias
por duas insignificâncias iguaizinhas não alteraria nada. O
prolongamento das férias do dr. Costa por 20 ou 30 anos alteraria
imenso. Quanto ao Estado em frangalhos, em teoria só um socialista,
assumido ou dissimulado, se maçaria com o tema – na prática, o
aborrecido é a devastação principiar pelos únicos pedaços que, se
calhar, convinha manter.
Entre o
chinfrim, sobra um facto: Portugal é governado por uma coligação de
leninistas com sentido de oportunidade e de oportunistas com nostalgias
totalitárias. O que nos está a acontecer é o percurso fatal em qualquer
arranjo do género. Começa-se em euforia, avança-se para a estupefacção,
saltita-se para a raiva e termina-se em desgraça, porque semelhante
malformação não poderia terminar de maneira diferente. O simbolismo da
recente manifestação de apoio ao sr. Maduro, em Lisboa, não é
desprezível.
No mesmo
dia em que os funcionários da ditadura atacaram com marretadas
pedagógicas o parlamento venezuelano, o Conselho Português para a Paz e
Cooperação, uma excrescência do PCP, desfilou a regozijar-se com o
sangue das vítimas. Na homenagem, participaram, cito, “representantes da
câmara municipal de Lisboa” e, quiçá em celebração de Tancos, a Banda
do Exército. Segundo o “Diário de Notícias”, o belo evento “foi
perturbado por um incidente com um cartaz”. O cartaz rezava “Venezuela
Livre”, e o portador acabou devidamente assaltado em prol da paz e,
claro, da cooperação.
Portugal
não está nas mãos de irresponsáveis, tradição a que aliás nos
habituáramos: está nas mãos de criminosos, por acção ou omissão. São
eles que, a cada calamidade, juram que podia ter corrido pior. E, no que
depender deles, há-de correr.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário