A rígida
legislação trabalhista está em permanente conflito com a realidade,
engessando as relações e negociações entre empregadores e empregados.
Boa reflexão de Ricardo Bordin, do blog Por um Brasil sem Populismo:
O chef francês e jurado do programa Masterchef Erick Jacquin afirma que nunca mais na vida vai assinar uma carteira de trabalho
e critica a legislação trabalhista brasileira, alegando ser ela a
grande vilã para empreendedores com seu perfil – que precisam de
mão-de-obra bastante especializada.
Mulher causa polêmica
ao oferecer moradia em troca de serviços domésticos, e alega, em sua
defesa, que “não tinha condições de pagar uma babá registrada, com o
décimo terceiro e férias”.
Juiz de Minas Gerais decide que motorista possui vínculo empregatício com o Uber, e manda a empresa pagar todos os salários e demais benefícios retroativamente ao reclamante.
Pergunta: o que essas três histórias acima elencadas têm em comum?
É
evidente: elas demonstram o quanto nossa deveras rígida legislação
trabalhista e o mundo real em constante transformação e muito
diversificado no qual vivemos estão apartados um do outro.
É
notável a disparidade entre os contratos de trabalho possíveis de serem
celebrados entre as partes interessadas, dadas as peculiaridades de cada
situação específica, e aqueles exigidos pela norma como “patamar mínimo
civilizatório” a ser observado.
Tal
diferença entre as contraprestações laborais determinadas pelo Estado
(dotadas das mais diversas denominações, mas todas indo parar na mesma
folha de pagamentos) e os custos com que efetivamente podem arcar os
contratantes não deixa de existir somente porque o Congresso Nacional
editou leis sob pressão de certos grupos de interesse – entidades de
classe em sua maioria. O papel aceita tudo, mas a matemática financeira é
implacável.
Se
alguém contrata duas empregadas domésticas para cuidar de um pai idoso
em sua residência (formalizando seus vínculos empregatícios conforme
reza o ordenamento jurídico), mas ante nova regulamentação estatal
regendo tal atividade – prevendo equiparação
total com os demais trabalhadores celetistas – vem a perceber que
pagar as duas senhoras (bem como perder tempo preenchendo formulários
online) sai mais caro e gera mais transtorno do que hospedar o pai na
melhor clínica de repouso da cidade, de duas uma:
A) O
arranjo entre estas pessoas será reformulado à margem da lei (sob
cláusulas distintas das regulamentadas pelo Parlamento, na
informalidade);
B) Ou elas serão despedidas e o velhinho irá para a clínica.
E não há
passe de mágica que tecnocrata algum possa fazer para mudar este
cenário. O interesse mútuo de empregados e empregadores vai sempre
buscar atingir um ponto de encontro entre a demanda por aquela
mão-de-obra e sua oferta no mercado – seja por meio de negociação
individual ou coletiva -, quer gostem os planejadores e engenheiros
sociais ou não.
Se
preciso for (leia-se: para que o empreendedor não fique sem a força de
trabalho de que necessita e os trabalhadores sem dinheiro algum), ambos
irão desconsiderar a CLT e acordar condições mais condizentes com as
circunstâncias as quais estão submetidos.
Só que tal pacto costuma manter-se de pé apenas durante a vigência do contrato de trabalho.
Tão logo
cessa a prestação de serviços, o caminho está livre para que tais
trabalhadores busquem, junto ao Judiciário, a compensação pelo tempo em
que trabalharam regidos por acordos menos benéficos do que os previstos
em lei – sejam aqueles formal ou tacitamente (de maneira não expressa)
firmados.
Eis aí
desnudado o ciclo que atulha de processos nossas instâncias julgadoras: a
iniciativa privada está sempre sufocada pela tributação, pelo excesso
de burocracia, pela indevida intervenção governamental na economia e
pela logística capenga do Brasil; em decorrência, ela gera menos
empregos (e pior remunerados) do que são demandados pela população
economicamente ativa; assim, aos indivíduos não resta opção senão aderir
a quaisquer condições impostas pelo empregadores; tão logo finda a
relação de emprego, todavia, eles recorrem ao Estado para que determine o
adimplemento das diferenças salariais eventualmente havidas.
Tal
fenômeno acentua-se ainda mais na medida em que apenas a União Nacional
possui competência constitucional para editar normas de Direito de
Trabalho. Ou seja, as singularidades regionais, uma vez desprezadas no
processo legislativo, acabam por criar contrastes ainda maiores entre o
que dispõe o Congresso Nacional como baliza a ser seguida e as
obrigações efetivamente assumidas nos contratos reais de trabalho
celebrados nos rincões Brasil afora.
Como se
São Paulo e Tangará da Serra pudessem compartilhar o mesmo regramento
jurídico (elaborado em Brasília de forma a ser cumprido uniformemente no
país inteiro) sem gerar fortes contradições com os costumes locais – a
matéria-prima para que mais conflitos irrompam e precisem ser resolvidos
no Judiciário.
E os
efeitos maléficos advindos desta ciranda maldita impulsionada desde o
início pela hipertrofia estatal são diversos e prejudicam, em especial,
os próprios postulantes a vagas no mercado de trabalho.
1) No
processo de recuperação de períodos de recessão, os níveis de emprego
costumam ser os últimos a apresentarem melhorias, por conta do fundado
receio dos empregadores em verem-se envolvidos em lides judiciais após
rescisões contratuais, tal a insegurança jurídica em voga.
2)
Empreendedores buscam incessantemente implantar mecanismos de automação
em toda etapa da cadeia produtiva onde seja possível, já que máquinas
não processam ninguém.
3)
Cria-se um ambiente de desconfiança entre empregados e empregadores, o
que constitui fator extremamente negativo para o desenvolvimento e o
enriquecimento de uma sociedade, como bem explica Gary North neste artigo:
a percepção de honestidade nas interações entre indivíduos guarda
estreita relação com os índices de desenvolvimento sociais e econômicos.
4)
Acionamentos judiciais descabidos viram tendência – uma verdadeira
indústria de ações trabalhistas -, como a recente questão dos três jogadores filmados
em masturbação coletiva em vestiário de clube de futebol, que foram
sumariamente demitidos e viraram, aos olhos da imprensa “progressista”,
vítimas de homofobia. O advogado dos atletas já prometeu ingressar na
Justiça do Trabalho cobrando indenização por danos morais. Em caso de
sucesso, mais acentuada restará a sensação de que nem mesmo a mais
comezinha disciplina profissional pode ser exigida no ambiente laboral –
péssimo para a a nossa já combalida produtividade nacional.
5) Mais
gasto estatal acaba sendo justificado na implantação de novas varas
judiciais, tendo em vista a crescente procura pela mediação de
contendas.
E por aí vai.
Como diz
o provérbio, o combinado não é caro. Após um mês de trabalho, o
empregado confia que seu patrão irá lhe pagar o salário ajustado entre
eles, tal qual um fornecedor entrega uma mercadoria para seu cliente e
confia que este irá lhe pagar dali a trinta dias, como tratado entre
ambos.
Nada
mais natural, portanto, que existam entidades, tanto públicas quanto
privadas, voltadas a fazer valer a palavra dos pactuantes – desde que
eles próprios tenham voluntariamente estabelecido os termos (não apenas
os padrões remuneratórios, mas também jornada de trabalho, férias e
demais aspectos).
É claro
que, com frequência, será mais vantajoso negociar de forma coletiva,
especialmente ante empresas de grande porte. Ganha mais importância
ainda, neste contexto, o pleito pelo fim da unicidade sindical – ou
seja, pela possibilidade de que os trabalhadores possam optar entre
diferentes organizações representativas (ou simplesmente decidir não
filiar-se a nenhuma delas).
O fim do imposto sindical, aprovado no bojo da recente reforma trabalhista,
é um importante passo neste sentido, pois quanto mais liberdade houver
na deliberação das condições de trabalho, mais relevante torna-se a
necessidade de livremente eleger quem sentará na mesa de negociação para
falar pelos trabalhadores.
Por
falar na aprovação da reforma trabalhista, que fique claro que a
modernização por ela prometida ainda é bastante acanhada, no sentido de
que tão somente os itens nela aventados poderão ser objeto de negociação
entre as partes, e apenas dentro dos parâmetros estipulados pelo
diploma legal.
Ou seja,
a regra geral ainda é a prevalência do legislado sobre o negociado,
abrindo-se algumas poucas (mas salutares) exceções, como a legalização
do trabalho intermitente e do já praticado há tempos “acerto” na resilição de contratos.
Mas o
ideal, dentro deste contexto, seria o oposto: que o normal fosse a
primazia do negociado sobre o legislado, estabelecendo-se exceções em
casos específicos – como limites para excesso de carga horária em
trabalhos perigosos e insalubres, dentre outras situações.
Conclusão:
a rigidez normativa desconectada de nossa móvel e díspar realidade não
apenas é a principal causa do elevado números de ações trabalhistas, mas
também contribui em muito para o desemprego. É esse desencontro entre o
mundo idealizado em gabinetes parlamentares e a vida real quem também
insufla um sem número de fraudes nas contratações de empregados, como,
por exemplo, aqueles contratados como pseudo pessoas jurídicas – a
famigerada “pejotização”.
Encerro com as palavras de Denis Rosenfield :
A autonomia dos indivíduos e de suas organizações, dentre as quais os sindicatos, é central em todo Estado pautado pelos princípios da liberdade. Deve a sociedade apropriar-se de sua liberdade de escolha, reduzindo a margem de arbítrio das intervenções legislativas impostas de cima.BLOG ORLANDO TAMBOSI
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