Há quase
duas décadas venho denunciando, dentro e fora da universidade, o caráter
antidemocrático do PT. Suposto crítico do comunismo soviético na sua
origem, o partido jamais escondeu sua ojeriza aos valores republicanos,
revelando-se, na verdade, um seguidor retardatário das ideias
comunistas, regadas em "salsa" cubana. Sobre essa mentalidade
antidemocrática escreve Rodrigo Constantino na Gazeta do Povo, de Curitiba:
Passei o
meu terceiro aniversário nos Estados Unidos. A data é muito especial
por aqui. Afinal, sou nascido em 4 de julho, o dia a Independência
Americana. O show de patriotismo é surpreendente, em especial para quem
vem do Brasil. Nosso 7 de setembro é um tanto burocrático, sem muita
emoção, com cerimônias oficiais enaltecendo o Estado. Na América não é
nada assim. É a maior festa do ano, com famílias saindo às ruas com suas
bandeiras, celebrando a grande nação que seus antepassados construíram.
O
orgulho do americano médio com sua pátria é visível. E não é para menos:
trata-se de um país próspero e que vem preservando as liberdades
individuais ao longo dos anos, apesar dos constantes ataques que sofre
de dentro e de fora. Se o Iluminismo francês celebrava a razão, e o
britânico a virtude social, então o americano representava a política da
liberdade, como resumiu a historiadora Gertrude Himmelfarb. Uma mistura
interessante, com os pais fundadores mais racionalistas e libertários
lutando por “direitos naturais” e a prudência e a moderação do lado mais
conservador.
A
combinação deu certo, aparentemente. Os próprios fundadores sabiam,
porém, que não seria fácil preservar uma República livre, e temiam que a
democracia se transformasse numa ditadura da maioria, sob a influência
de demagogos. Por isso adotaram instrumentos de proteção, como o
federalismo para descentralizar o poder, os mecanismos de pesos e
contrapesos, o voto distrital, uma população armada, etc. O objetivo
sempre foi proteger o cidadão do Estado, visto com desconfiança. Os pais
fundadores sabiam que a concentração de poder no governo era o caminho
mais rápido para a tirania.
Foi
impossível impedir certo avanço do governo, e exemplos de abusos não
faltam. A era Obama foi marcada por uma tentativa de mudança de
paradigma, e o próprio presidente democrata dizia abertamente que
desejava mudar a América “essencialmente”. Mas não conseguiu. O estrago
não foi pequeno, mas o foco na meritocracia e na liberdade individual
prevaleceu, mesmo que cambaleante. Apesar do politicamente correto e do
coletivismo, o americano médio ainda enxerga o assistencialismo estatal
ou a igualdade de resultados como problemas e cobra responsabilidade
individual de todos por seus atos, reconhecendo que a desigualdade de
resultados será inevitável com pessoas diferentes.
Timothy
Snyder, em On Tyranny, apresenta vinte lições sobre experiências
ditatoriais tanto comunistas como fascistas. Para o autor, a América
corre perigo hoje com o governo Trump. É fato que o atual presidente
lançou mão de táticas demagogas para chegar ao poder, mas Snyder ignora
em seu livro que boa parte do que Trump condena, tanto na imprensa como
no governo, é mesmo condenável. O viés do “jornalismo” é escancarado, e
“drenar o pântano” em Washington é uma necessidade para salvar os
Estados Unidos de um destino latino-americano, onde o “capitalismo de
compadres” destruiu o livre mercado.
Ou seja,
Trump pode ter adotado um estilo um tanto personalista e fanfarrão,
semelhante ao de líderes populistas, mas o que ele veio combater deve
ser combatido. O que evitará caminhos mais perigosos não é tanto a
bondade do presidente, mas as instituições republicanas. É esse o ponto
que precisa ser lembrado: mesmo um líder autoritário e populista como
Lula não teria o caminho tão livre na América como teve no Brasil para
avançar sobre as instituições, aparelhando a máquina estatal com seus
subordinados ou comprando a oposição e a imprensa, sob a negligência
passiva da população. Nos States o buraco é mais embaixo.
O que me
traz ao tema central desse artigo: a baixa receptividade que a
democracia liberal encontra em nosso país. Nossa “república” não só
começou com um golpe, como teve vários outros no caminho. Tivemos poucos
espasmos democráticos em meio a vários governos autoritários ou
ditatoriais. E o pior: essas experiências democráticas foram ruins, via
de regra.
A
esquerda, como sabemos, nunca teve mesmo muita simpatia pela democracia.
Para ela, ao menos na versão mais radical, tudo não passa de uma farsa
para a tomada do poder. Jacobinos revolucionários querem criar o “novo
mundo”, e não se importam com “detalhes” como o império das leis ou a
alternância de poder, já que a única coisa que interessa é o radiante
fim que nos espera. O que são algumas cabeças degoladas nesse processo?
À
direita há uma turma que rejeita também a democracia imperfeita, suas
necessárias contemporizações, as negociações com adversários, etc. São
saudosistas de um passado idealizado, onde tudo era muito diferente e
melhor e estão dispostos a passar por cima de quem estiver no caminho
para resgatar esse mundo ilusório. Tais reacionários adotam métodos
muito parecidos aos dos petistas que odeiam. Muitos inclusive vieram da
extrema-esquerda, preservando o estilo e mudando apenas o conteúdo.
Escolheram um novo messias para idolatrar, mas continuam idólatras,
praticando culto à personalidade e desdenhando da própria democracia.
Construir
instituições republicanas não é tarefa fácil, como a experiência global
pode atestar. É a exceção, não a regra. Exige paciência, visão de longo
prazo, maturidade, esforço coletivo e, acima de tudo, espírito cívico,
especialmente das elites. Não combina com a Lei de Gérson, com o
jeitinho e a cultura da malandragem, ou com o hedonismo de quem quer
tudo para ontem e dane-se o amanhã. Os brasileiros estão desiludidos com
a democracia e não é para menos. Se esse é o seu resultado, então não
há muito como defendê-la mesmo.
Mas eis o
recado: a desgraça petista foi um atentado contra a democracia, ainda
que tenha feito uso dela. A solução não é jogar o bebê fora junto com a
água suja do banho. Não é buscar um salvador da Pátria autoritário que
fale grosso e queira desafiar todos, ameaçando até fechar o Congresso se
preciso. Já experimentamos essas rotas de fuga, e nunca acabou bem.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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