Criticando o relativismo
"pós-moderno" vigente nas universidades em geral e o discurso
politicamente correto da esquerda norte-americana, o professor João
Carlos Espada publica, no Observador,
outro lúcido artigo em que - referindo o pronunciamento de Trump na
Polônia - faz justas perguntas: "se não podemos defender a liberdade
como valor universal, e se não podemos defender a liberdade como valor
ocidental, seremos ainda autorizados a defender a liberdade?":
Em Varsóvia, na quinta-feira passada, Donald Trump proferiu o melhor discurso
desde o início do seu mandato. Como tem sido observado, foi certamente
escrito por detentores de um vocabulário mais vasto do que o
habitualmente utilizado pelo actual presidente. E, sobretudo, foi
certamente escrito por um ou vários membros do chamado “establishment”
republicano contra o qual Donald Trump dirigiu a sua campanha
presidencial.
“Simplesmente digno
de Ronald Reagan”, foi o elogio frequente entre comentadores do
centro-direita e vários do centro-esquerda. A surpresa chegaria pouco
depois, como José Manuel Fernandes deu conta na edição da passada
sexta-feira dos seus excelentes “Macroscópio” — uma das melhores peças regulares da imprensa nacional e internacional.
Informou-nos ele que
inúmeros comentadores associados à esquerda do partido democrático
atacaram o discurso de Trump com veemência. E o mais surpreendente foi a
razão comum aos ataques: ao defender o Ocidente, escreveram vários
analistas, Donald Trump estava a defender um “conceito racial e
religioso”, basicamente, segundo eles, “branco e cristão”.
Esta crítica não deve
ser menosprezada. No plano das ideias — que é o plano que produz mais
consequências — esta crítica exprime o beco sem saída a que a ideologia
politicamente correcta conduziu uma boa parte da “intelligentsia”
pós-moderna ocidental, sobretudo em muitas (mas felizmente não todas)
universidades.
Por um lado, ela
contesta a aspiração universal dos valores da liberdade e
responsabilidade pessoal que estão no centro das modernas democracias
liberais. Quando estes valores são apresentados como universais, os
críticos pós-modernos denunciam essa aspiração universal como
“imperialista”. Dizem que esse universalismo viola as diferenças entre
culturas, proclamando como universais valores que são apenas específicos
de uma certa cultura — a ocidental. Esta é a base do chamado
“multiculturalismo”.
Por outro lado,
quando os mesmos valores da liberdade e responsabilidade pessoal são
defendidos como parte distintiva da tradição ocidental, os críticos
pós-modernos dizem que o conceito de “tradição ocidental” esconde um
“nativismo racial [branco] e religioso [cristão]”.
Face a este duplo
raciocínio pós-moderno, uma pergunta parece inevitável: se não podemos
defender a liberdade como valor universal, e se não podemos defender a
liberdade como valor ocidental, seremos ainda autorizados a defender a
liberdade?
A pergunta não tem
mero intuito retórico. O Ocidente é a tradição cultural que por
excelência se define com base em valores, não com base em exclusivismos
étnicos ou religiosos. É a tradição fundada nos valores da sociedade
aberta, usualmente definidos a partir dos pilares pluralistas de Atenas,
Roma e Jerusalém. E é a tradição que historicamente se revelou mais
aberta a receber pessoas oriundas de outras tradições.
No entanto, esta
mesma tradição ocidental é agora impedida de defender os seus valores.
Ao mesmo tempo, ela é moralmente obrigada a receber todos os que,
vítimas de sociedades em que esses valores não são respeitados, procuram
as sociedades abertas que são fruto dos valores ocidentais. Só que
estes são os valores que agora não podemos defender — nem como
universais, nem como ocidentais!
Felizmente, este
paradoxo pós-moderno está a começar a ser denunciado por influentes
líderes do centro-esquerda que finalmente decidiriam enfrentar a ala
radical da sua área política. O exemplo mais relevante foi dado, também
na passada quinta-feira, num artigo no New York Times assinado por dois influentes antigos conselheiros do Presidente Clinton. [ ]
Dizem eles,
basicamente, que o esquerdismo anti-ocidental custou aos democratas a
perda de mil assentos legislativos estaduais durante os mandatos do
Presidente Obama, bem como a perda de controlo de ambas as Câmaras do
Congresso. Nenhum desses lugares foi reconquistado nas últimas eleições,
recordam os autores. Sintomaticamente, o artigo intitula-se “Back to the Center, Democrats”.
O apelo é bem vindo e
faz todo o sentido. A ideia de um consenso central entre esquerda e
direita moderadas presidiu à concorrência civilizada entre elas desde
pelo menos o final da II Guerra. Há duas semanas, foi explicitamente em
torno da defesa dessa “Tradição Ocidental da Liberdade sob a Lei”
que decorreu a 25ª edição do Estoril Political Forum. Estavam presentes
as mais variadas sensibilidades da esquerda e direita moderadas,
nacionais e internacionais. Ninguém hesitou em defender o Ocidente. Por
isso mesmo, ninguém hesitou em defender a liberdade.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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