O professor João Carlos
Espada apresenta "três livros tranquilos que partilham a confiança na
tradição europeia e ocidental e na legitimidade do sentimento nacional -
conceitos sob fogo das patrulhas do politicamente correto":
After Europe,
de Ivan Krastev (Penn, 2017), é a minha primeira sugestão de leituras
estivais, nesta segunda crónica sobre o tema. O título, algo alarmista,
não corresponde ao tom ponderado do argumento. Mas corresponde ao olhar
não convencional do autor — colunista do New York Times, e académico
residente do Institute for Human Sciences, de Viena (que virá a Lisboa a 16 e 17 de Novembro).
Krastev recusa a
dicotomia infeliz entre “nacionalismo versus globalismo” e sugere que
tentemos compreender os eleitores. Alerta para a importância do
sentimento nacional e recorda que ele esteve associado à emergência da
democracia moderna. O título After Europe não se refere, por isso, ao
fim da União Europeia. Refere-se apenas ao fim da ilusão de que é
possível construir o nobre projecto europeu ignorando os sentimentos dos
eleitores.
Um argumento semelhante tinha sido meses antes apresentado por David Goodhart em The Road to Somewhere: The Populist Revolt and the Future of Politics
(Hurst, 2017). O autor argumenta que a tradicional divisão entre
esquerda e direita está a ser gradualmente substituída, ou sobreposta,
por uma nova oposição: entre, por um lado, a “identidade adquirida” de
grupos dotados de grande mobilidade profissional e residencial que
pertencem “anywhere” (a qualquer lugar, digamos assim); e, por outro
lado, a “identidade herdada” de grupos com reduzida mobilidade
profissional e residencial que pertencem “somewhere” (a algum lugar,
digamos assim).
David Goodhart
situa-se ao centro-esquerda e foi fundador da revista Prospect — que
desde a década de 1990 tem dado voz à esquerda moderada britânica. Tendo
sido apoiante de Tony Blair, ele critica hoje o tom altivo com que
Blair e os “anywheres” tendem a condenar o provincianismo dos
“somewheres”. Recusa a dicotomia infeliz entre “anywheres” versus
“somewheres” e procura sugerir caminhos para os reconciliar. À
semelhança do argumento de Krastev, Goodhart considera que esses
caminhos supõem o respeito pelo sentimento nacional.
Um argumento semelhante, vindo do centro-direita, é apresentado por Douglas Murray em The Strange Death of Europe: Immigration, Identitiy and Islam (Bloomsbury, 2017). O autor, que é vice-director da revista The Spectator,
começa por recordar as palavras de Stefan Zweig, nas vésperas da II
Guerra Mundial, sobre a “sentença de morte” que a Europa e o Ocidente
estavam a passar a si próprios. E argumenta que esse diagnóstico precoce
pode agora estar a concretizar-se devido a dois fenómenos simultâneos.
Por um lado,
argumenta Murray, assistimos a um inédito movimento migratório de
populações. “A Europa está a tornar-se o lar do mundo inteiro”, diz o
autor. Isto seria em si mesmo um problema, mas torna-se mais grave
porque coincide com outro fenómeno que ocorre simultaneamente, embora
tenha origem distinta, sobretudo endógena: “a Europa perdeu a fé nas
suas convicções, tradições e legitimidade”.
Sem confiança em si
mesma, a Europa e o Ocidente não têm condições para assimilar
ordeiramente as vagas migratórias. Esse “choque de culturas” é sobretudo
sentido pelas populações nativas europeias com reduzida mobilidade
profissional e geográfica — os “somewheres” de David Goodhart — e que
por isso têm de conviver diariamente com diferentes, muitas vezes
hostis, culturas e religiões dos imigrantes.
Segundo Douglas
Murray, um pouco à semelhança de David Goodhart, é esse choque entre,
por um lado, culturas nativas enfraquecidas e, por outro lado, vincadas
culturas recém-chegadas, que estaria na base do chamado fenómeno
populista — a que David Goodhart chamou “revolta dos somewheres”.
Estes são três livros
de autores com diferentes posicionamentos políticos — Krastev e
Goodhart ao centro-esquerda, Murray ao centro-direita. Mas eles
certamente partilham muito em comum.
Desde logo, todos
acreditam na civilização europeia e ocidental, bem como na legitimidade
do sentimento nacional — conceitos que estão hoje sob suspeita entre as
patrulhas ideológicas do “politicamente correcto”. Em segundo lugar,
todos acreditam que a expressão política da civilização europeia e
ocidental é a democracia parlamentar fundada no primado da lei e no
sentimento de pertença nacional — o sentimento que, quando polido pela
civilização europeia e ocidental, permite às maiorias respeitarem as
minorias e às minorias aceitarem o governo das maiorias.
Em suma, estes são
livros tranquilos, com argumentos tranquilos. Não exibem o tom
“indignado” que hoje tende a dominar o chamado “debate” público — um
debate basicamente tribal e fundamentalmente sobre coisa nenhuma. Creio
que podem constituir estimulantes leituras para férias (a que, na
próxima segunda-feira, acrescentarei livros de autores portugueses). (Observador).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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