Artigo do professor João Carlos Espada, via Observador, analisa algumas obras de filosofia política recém-publicados cuja leitura vale a pena. A elas:
A Pope and A President: John Paul II, Ronald Reagan, and the Extraordinary Untold Story of the 20th Century,
de Paul Kengor (ISI Books, 2017), é a minha primeira sugestão de
leituras para férias. A obra descreve com detalhe os laços de profunda
amizade e empatia intelectual que gradualmente se desenvolveram entre o
Papa católico polaco e o Presidente protestante americano — e que
contribuíram decisivamente para mudar o mundo durante a década de 1980.
Trata-se também de uma oportunidade para revisitar um outro livro sobre o mesmo período e que foi traduzido entre nós em 2007: O Presidente, o Papa e a Primeira-Ministra: Ronald Reagan, João Paulo II e Margaret Thatcher, três figuras que mudaram o mundo, de John O’Sullivan (Aletheia, 2007).
Os dois livros
recordam a batalha espiritual e política que dominou a década de 1980 e
que culminou na derrota pacífica do império soviético, com a queda do
Muro de Berlim em 1989. Nessa época, era politicamente correcto
denunciar a “ameaça anti-democrática” representada pela convergência
entre “a religião católica, o capitalismo americano e o neo-liberalismo
nacionalista britânico”.
Curiosamente, nem o
catolicismo, nem o capitalismo, nem o sentimento nacional ameaçaram a
democracia. Pelo contrário, estiveram associados à vigorosa ressurgência
democrática da década de 1980. Este é, de certa forma, o tema de um
outro livro recente: Conservative Parties and the Birth of Democracy, de Daniel Ziblatt (Cambridge University Press, 2017).
O autor sublinha o
papel crucial desempenhado no século XIX pelo partido conservador
britânico na transição pacífica do regime parlamentar censitário para o
sufrágio universal. Por outras palavras, a democracia moderna — onde
teve sucesso — não resultou da hostilidade contra a religião, a
propriedade privada, a economia de mercado e o sentimento nacional. Bem
pelo contrário, a democracia só vingou quando e onde assentou nesses
pilares.
No entanto, estes não
são os únicos pilares da democracia. Ela carece também de sólidos
pilares à esquerda — e foi exactamente isso que também aconteceu na
emergência da democracia britânica. Dois livros recentes dão conta disso
mesmo: Citizen Clem: A Biography of Attlee, de John Bew (Quercus, 2016) e Clement Attlee: The Inevitable Prime Minister, de Michael Jago (Biteback, 2017).
Clement Attlee foi
líder do Partido Trabalhista britânico (também este com fortes raízes
cristãs) entre 1935 e 1955. Serviu como vice-primeiro-ministro de
Winston Churchill, no governo de coligação nacional durante a II Guerra,
entre 1942 e 1945. E, a seguir, derrotou Churchill retumbantemente nas
eleições gerais de Junho de 1945. Foi primeiro-ministro trabalhista de
1945 a 1951, tendo dirigido a mais vigorosa onda de reformas socialistas
do pós-guerra. Simultaneamente, foi sempre um estóico anti-comunista e
um intransigente defensor da aliança euro-atlântica ocidental.
O que é que subjazia
em comum às importantes diferenças entre João Paulo II, Ronald Reagan,
Margaret Thatcher, os conservadores britânicos do final do século XIX e
os líderes trabalhistas dos anos 1930-1950? O mais recente livro da
historiadora norte-americana Gertrude Himmelfarb dá um contributo para
reflectir sobre essa pergunta.
Past and Present: The Challenges of Modernity, from the Pre-Victorians to the Postmodernists
(Encounter Books, 2017) reúne 20 ensaios sobre autores e temas que
acompanharam a vasta obra de Himmelfarb (agora com 94 anos). Uma tese
central percorre esses ensaios: a de que as fortes tensões da
modernidade foram pacificamente suavizadas nas culturas políticas que
souberam manter a distinção — e a convivência — entre verdade objectiva e
busca subjectiva (portanto falível) da verdade objectiva. Quando este
binómio é quebrado, a civilidade e a civilização ficam desprotegidas.
Essa é a principal
ameaça do pós-modernismo, recorda Himmelfarb: ao negar o conceito de
Verdade (e, por consequência, de Bem e de Belo), o pós-modernismo nega o
conceito de busca pluralista da Verdade — o conceito de conversação
polida e moderada entre perspectivas diferentes, na busca de padrões
comuns que nos aproximem da verdade, do bem e do belo. Se esta
conversação for abandonada, restará apenas a “auto-expressão” agressiva
das “certezas” e dos caprichos de cada um. A nossa vida cultural e
espiritual será — está a ser — drasticamente empobrecida. E não é seguro
que a democracia consiga sobreviver à ditadura do capricho sem entrave.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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