Patrimonialismo, corporativismo e clientelismo os males do Brasil são. Texto de Percival Puggina:
A crise que jogou o
Brasil na mais prolongada e perigosa depressão econômica e social de sua
história não pode ser entendida sem que se conheça o peso do
patrimonialismo, do corporativismo e do clientelismo na vida nacional. É
pelo peso do patrimonialismo que o exercício do poder político se
confunde com usufruto (quando não com a posse mesma) dos recursos
nacionais. É pelo peso do corporativismo, cada vez mais entranhado e
influente nas estruturas do Estado, que os bens e orçamentos públicos
vêm sendo canibalizados desde dentro pelo estamento burocrático. É pelo
peso do clientelismo que elites corruptas são legitimadas numa paródia
de representação política, comprando votos da plebe com recursos tomados
à nação.
Na perspectiva do
cidadão comum, o que resulta mais visível, lá no alto das manchetes e no
pregão dos noticiários de rádio e TV, é o que vem sendo chamado de
mecanismo, ou seja, o modo como, nos contratos de obras e serviços, o
recurso público é desviado para alimentar fortunas pessoais, partidos
políticos e campanhas eleitorais que, por sua vez, garantem, a todos, a
continuidade dos respectivos negócios. Com efeito, esse é o topo da
cadeia. É o que se poderia chamar de operação contábil que viabiliza e
formaliza o patrimonialismo.
O corporativismo, de
longa data, se configura como forma de poder exercido com muito sucesso e
responde, ano após ano, pela crescente apropriação dos orçamentos
públicos e dos recursos de empresas estatais pelas corporações
funcionais. É uma versão intestina do velho patrimonialismo. Raymundo
Faoro, a laudas tantas de "Os Donos do Poder", escreve sobre a
centralização política ocorrida no Segundo Reinado e a singela
constatação de que existem duas possibilidades: ou a nação será
governada por um poder majoritário do povo ou por um poder minoritário.
Era como exercício de poder minoritário que Faoro via o reinado de D.
Pedro II. E o entendia à luz da teoria de Maurice Hariou, que fala de um
poder formado "ao largo das idades aristocráticas, pelo exercício mesmo
do direito de superioridade das minorias diretoras".
Maurice Hariou
(1856-1929) reparte com Kelsen o apelido de Montesquieu do século XX. Na
sua perspectiva, são as instituições que fundamentam o Direito, e não o
contrário. Correspondem ao conceito, as organizações sociais
subsistentes e autônomas nas quais se preservariam ideias, poder e
consentimento. A isso, dava ele o nome de corporativismo. Após 127 anos
de república, é comum vê-lo em pleno exercício quando representantes de
outros poderes, de carreiras de Estado, e de seus servidores ocupam
ruidosamente galerias dos plenários ou palmilham corredores onde operam
os gabinetes parlamentares. Raramente saem frustrados em suas
reivindicações. E assim, bocado a bocado, ampliam, além de toda
possibilidade, a respectiva participação no bolo dos recursos públicos.
Em muitos casos, a soma das fatias já ultrapassa os 360 graus.
Os ônus do
corporativismo representam um prejuízo vitalício, que se perpetua
através das gerações. Como tal, muito certamente, excede o conjunto das
falcatruas operadas pelo mecanismo. O Estado brasileiro poderia ser
menor, onerar menos a sociedade e enfrentar adequadamente o drama das
camadas sociais miseráveis, carentes de consciência política. Por que
iriam os operadores do mecanismo, os manipuladores da miséria e o
estamento burocrático interessar-se em acabar com a ascendência que
exercem sobre essas vulneráveis bases eleitorais? Os três juntos -
patrimonialismo, corporativismo e clientelismo - põem a nação em xeque.
Não sairemos dele se não identificarmos, acima e além dos partidos e
seus personagens, estes outros adversários, intangíveis mas reais, que
precisam ser vencidos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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