A cartilha petista manda atribuir a Eduardo Cunha o impeachment de Dilma Rousseff. Na sequência, como esse evento é considerado o episódio mais sinistro da história do partido, o ex-presidente da Câmara dos Deputados passa a ser descolado do PT e apresentado como encarnação de um belzebu fascista.
Torna-se necessário, então, acender a lanterna sobre certas lições a respeito de Eduardo Cunha que o lulismo jogou para o lado escuro da mente.
1.
Cunha elegeu-se deputado federal pelo PMDB em 2003, tendo integrado a
base do governo durante os dois mandatos de Lula e o primeiro mandato de
Dilma Rousseff. Aliás, já em 2007 ajudou a preservar Dilma, ministra de
Minas e Energia, na CPI do Apagão Aéreo. Seria, pois, na condição de
aliado e sócio de atividades escusas que apareceria, anos mais tarde,
molhado nas mangueiradas da Lava Jato.
2. Os negócios de Eduardo Cunha, portanto, são pixulecos das grandes
operações comandadas, entre outros, por Lula, José Dirceu, Antonio
Palocci e Guido Mantega. Ele não criou o “mecanismo” (para ficarmos com a
expressão de José Padilha (O Globo, 21/02/2017). Foi a operação do
“mecanismo” durante o governo petista que o trouxe à ribalta.
3. Em 2014, Cunha considerou chegada a hora de emergir do baixo clero
para a cúpula do poder, disputando a presidência da Câmara. Sua
candidatura dividiu a base do governo e fez fracassar o projeto do
governo, que patrocinava a campanha de Arlindo Chinaglia. Em fevereiro
de 2015, ele se tornou presidente da Câmara.
4. A partir desse momento, após longa e frutuosa camaradagem, Cunha
passou a ser visto pelo PT como inimigo. Inimigo? “Pero no mucho”, como
se verá a seguir.
5. Quando a Lava
Jato o exibiu encharcado à opinião pública, Cunha foi à CPI da
Petrobras, em março de 2015, mês e pouco após sua posse na presidência
da Casa, e negou ter contas no exterior. Essa declaração formal motivou o
processo que correu junto à Comissão de Ética e conduziu à cassação de
seu mandato. Durante mais de um ano, porém, Cunha manobrou contra a
tramitação desse processo usando medidas regimentais e jurídicas.
6. Assim como seu destino estava nas mãos da Comissão, os requerimentos
de impeachment de Dilma Rousseff passavam pelas suas. Cabia a ele
despachá-los ou não. E eram muitos.
7. Trinta dias após a grande manifestação de 15 de março de 2015, mais de três dezenas desses requerimentos empilhavam-se sobre a mesa de Eduardo Cunha.
8. Foi ele, então, um
dos menos dispostos e mais lerdos protagonistas dessa história. Para
alegria do PT, freou e retardou tudo o quanto pode, esvaziando as
manifestações populares ao longo de 2015. Muito mais eficientes foram os
pareceres técnicos da CGU, do TCU e os sucessivos achados da Lava Jato e
delações a ela levadas.
9. Cunha
preservou sobre sua mesa o cacife com o qual passou a negociar o apoio
de que precisava para se safar da Comissão de Ética. Um dos meios usados
foi o de impedir o quorum necessário para abertura de suas sessões.
Houve um momento, inclusive, em que coube aos deputados do PT tomar essa providência. Inimigos, “pero no mucho”. O PT precisava de Eduardo Cunha.
10. Ao contrário do que o partido pretende fazer crer, Cunha beneficiou
em muito o governo Dilma, concedendo-lhe, contra a opinião pública, de
fins de março a dezembro de 2015, tempo precioso para fazer a coisa
certa e se livrar da pressão política e técnica pelo seu impeachment. No
entanto, o PT e a presidente continuaram apresentando sempre mais do
mesmo.
11. Cunha, porém, continuou
beneficiando Dilma Rousseff. Ao sentir-se perdido na Comissão de Ética, e
ainda mais abandonado no plenário, dentre dezenas de requerimentos com
igual fim, escolheu o que mais convinha à presidente. O único que nada
dizia sobre a Lava Jato. O único que não mencionava a refinaria de
Pasadena. Essas omissões, que trouxeram para a ribalta o requerimento de
Hélio Bicudo, Miguel Reale Junior e Janaína Paschoal, fizeram com que
os debates sobre o impeachment se restringissem àquele fastidioso plano
técnico das contas públicas.
12. Em 5
de maio de 2016, uma decisão liminar do ministro Teori Zavascki afastou
Eduardo Cunha da presidência da Câmara dos Deputados por considerar
comprovado que ele, no exercício de sua função, conspirava contra a Lava
Jato. Horas mais tarde, por unanimidade, o pleno referendou a decisão.
Ora, conspirar contra a Lava Jato, declará-la insulto à boa justiça e
instrumento maligno da direita raivosa, é, se não tudo, ao menos boa
parte das tarefas petistas para esta quadra de sua existência. Pois tal
era, na opinião do STF, uma especialidade de Eduardo Cunha, silencioso
na prisão, companheiro de tantos, longos e proveitosos anos daqueles que
hoje o inculpam por estarem enfrentando as conseqüências do mal que
fizeram ao país.________________________________
* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
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