No remake da telenovela Tititi, em 2010, Cecília, uma senhorinha vivida pela atriz Regina Braga, inspirava as criações do estilista Victor Valetim a partir das roupas que costurava para suas bonecas no asilo onde vivia. Da ficção para a vida real, algumas senhoras belo-horizontinas estão faturando com a “fashion doll”, inspiradas em coleções que fazem sucesso entre os humanos. É o caso de Nancy de Cássia Torquato de Melo, de 62 anos.
Por três décadas, ela expôs suas coleções na Feira de Artes e Artesanato de BH. A concorrência aumentou e ela viu a oportunidade de trabalhar em casa e abastecer as feirantes, além de vender pela internet e exportar para os Estados Unidos. “As peças no atacado saem a R$ 7. No varejo, R$ 12. Ganho dinheiro brincando”, diverte-se.
Assim como ela, muita gente está pegando carona no bom desempenho da indústria nacional de brinquedos para sobreviver. Em 2016, bonecas e bonecos lideraram as vendas da indústria de brinquedos (18%), ou seja, mais “clientes” para Nancy vestir. Outros empreendedores driblam a crise e o desemprego investindo em brinquedos para aluguel, como escorregadores infláveis, camas elásticas e pula-pula.
“Comecei a costurar roupas de boneca por necessidade. Minha filha ganhou uma Barbie e a roupinha era muito feia. Fiz uma nova e todo mundo gostou”
Nancy Melo
Costureira

De acordo com a Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), se observado o desempenho da indústria nacional nos últimos oito anos, o faturamento vem crescendo ininterruptamente. Em 2016, o faturamento total da indústria foi de R$ 6 bilhões, sendo que a produção nacional representou R$ 3,4 bilhões, crescimento de 7% em relação a 2015. Para 2017, a Abrinq projeta crescimento acima de 10%.
“Nosso setor vem crescendo a números sólidos e acreditamos ser uma oportunidade para quem quer empreender. O brinquedo é desconectado desses problemas econômicos, vai direto ao coração”, disse o presidente da Abrinq, Synésio Batista da Costa.
Ex-vereador de BH, João Bosco Rodrigues, o “João da Locadora”, é outro que se diverte trabalhando. Trocou a vida pública pelo entretenimento infantil. João é sócio do irmão numa empresa de locação de brinquedos e equipamentos para festas. O negócio deu certo e que eles abriram o próprio salão de festa. Para o ex-vereador, não há crise quando se trata de entretenimento infantil. “Se a economia não vai bem, o pai não investe em imóveis ou compra carro, mas tenta agradar dando uma festa para o filho”, diz.
Aluguel de brinquedos, como escorregadores infláveis, piscinas de bolinhas, camas elásticas
Aluguel de brinquedos, como escorregadores infláveis, piscinas de bolinhas, camas elásticas e pula-pula é fonte de renda para a empresária Renata Rozati
A empresa Planeta dos Infláveis Locação de Brinquedos, de Renata Gomes Rozati, fabrica, aluga e conserta brinquedos como pula-pula, tobogã e futebol de sabão. “Antes, a gente atendia até 12 festas no fim de semana. No ano passado, caíram para três. Agora, o negócio está melhorando e atendemos até sete festas no sábado e domingo. Tem muita gente comprando brinquedos para alugar”, afirma.
O blogueiro e produtor de conteúdo Gil Sotero criou uma mini-agência para Barbies negras e se dedica a fotografar roupas de bonecas que recebe de todo o país pelos Correios. “São produções fotográficas no mini-setor de moda para bonecas. O objetivo do projeto não é apenas vender roupinhas. É usar as bonecas negras para atentar para a necessidade de representatividade também no mundo dos brinquedos”, conta.
“Nosso setor vem crescendo a números sólidos. O brinquedo é desconectado desses problemas econômicos. Ele vai direto ao coração”
Synésio Batista da Costa
presidente da Abrinq

Com apelo emocional, mercado de brinquedos resiste à crise
O sonho de criança tornou-se o grande negócio do empresário José Lopes Viana, conhecido por “Zepetto”, referência ao personagem infantil Gepeto, criador do boneco de madeira Pinóquio.
Aos 69 anos, Zepetto preserva a magia e o fascínio de quando fabricou o seu primeiro brinquedo de madeira, aos 4 anos. Hoje, ele é dono de uma fábrica de brinquedos artesanais em madeira e atende lojas infantis e pedidos de todo país. O ex-funcionário da antiga Telemig morava no bairro Havaí, na Região Oeste de BH, onde mantinha uma oficina nos fundos. Há nove anos, ele se mudou para Conceição da Aparecida, no Sul de Minas, onde se dedica integralmente à sua microempresa, fabricando carrinhos e outros objetos.
“O brinquedo não é um produto essencial. A gente consegue viver sem ele. Mas o pai nunca deixa de presentear o filho no aniversário, no Dia das Crianças e no Natal”, diz Zepetto. “O mercado de brinquedos tem reagido bem à crise”, afirma.
A empresária Renata Rozati reclama da concorrência paulista.“Um pula-pula que vendo aqui por R$ 3,5 mil ou R$ 4 mil, lá eles vendem por R$ 2,5 mil. Os clientes vão pelo preço, mas não olham a qualidade. No primeiro aluguel, o brinquedo rasga todo”, diz. Mas ela lucra até com isso. “Percebi o nicho e passei a consertar brinquedos”,conta.
Empresário José Viana, apelidado de “Zepetto” em homenagem ao criador do Pinóquio
Empresário José Viana, apelidado de “Zepetto” em homenagem ao criador do Pinóquio, se dedica à fabricação de carrinhos e outros objetos em madeira
A costureira Nancy não tem do que reclamar. Depois que a filha colocou suas roupinhas de boneca em um site de comércio eletrônico, as vendas triplicaram. “Começo a trabalhar às 5 horas da manhã e só paro depois da meia-noite”, conta ela, que veste bonecas para todas as ocasiões, do batizado ao casamento. A neta de 2 anos também se diverte no ateliê.
“Muitas vezes, o tema da festa de aniversário da menina é Branca de Neve ou Chapeuzinho Vermelho, por exemplo. Eu faço o vestido da boneca igual. Vejo uma roupa na vitrine de uma loja, guardo o modelo na memória, chego em casa e desenho. As clientes adoram”, completa Nancy, que começou a vender na porta de um circo.