Em artigo publicado na revista Época,
Guilherme Fiuza desce o sarrafo na agremiação da boiada feliz, que vê
Janot como o novo herói dos iluminados. "Olhando o quadro completo", diz
Fiuza, "você só pode constatar que a carne é fraca":
A semana começou
tranquila no Brasil, com os irmãos Freeboys desejando a todos boas
compras na 5a Avenida e muita diversão na Broadway. Como se sabe, o
Papai Noel antecipado do companheiro Janot deu aos fenomenais donos da
JBS o presente de suas vidas (Nova York é linda na primavera) – e olhem
que o bom velhinho de São Bernardo já tinha dado uma lembrancinha
bilionária aos meninos. Eles ainda tiveram a sorte (que garotos
venturosos!) de encontrar pelo caminho o companheiro Edson Fachin, um
homem bom, que não economiza seus poderes para ajudar a quem precisa.
Agora segure a emoção
para o final feliz: um grupo de artistas resolveu dar apoio político a
essa conexão dourada de brasileiros que não desistem nunca (de ficar com
o que é seu).
A estratégia é a
seguinte: fazer campanha pública – aquelas com camisetinhas,
videozinhos, caras e bocas bem ensaiadas – para inventar uma prorrogação
do mandato de Rodrigo Janot na Procuradoria-Geral da República. Uma
coisa natural, democrática, tipo o Sarney quando resolveu dar a si mesmo
mais um ano na Presidência, ou seus antecessores de farda, que também
resolveram dar uma prorrogada no governo deles, tipo assim, para sempre.
A ideia é muito boa –
como todas as que vêm desse grupinho iluminado, que inventou o remake
das “Diretas já” (na praia, que ninguém é de ferro) com o cuidado de não
convidar para a festa o companheiro Maduro, amigo de fé e irmão
camarada dos democratas de Copacabana. Foram esses mesmos visionários
que marcharam corajosamente em defesa da quadrilha progressista e
revolucionária de Dilma Rousseff. Como se vê, eles sabem o que fazem.
E agora querem Janot
forever. Mais um lema matador. Como se sabe, um procurador que era braço
direito do procurador-geral assessorou o grupo JBS no acordo
providencial que salvou a pele dos irmãos Batista. É uma turma muito bem
relacionada, que sabe cultivar as amizades certas. Havia outro
procurador contratado pelos maiores contratantes do país para lhes vazar
informações da Lava Jato, mas por um infortúnio este foi preso. Deve
estar especialmente chateado, sabendo que não estava sozinho nos
esforços da vazadoria-geral em prol dos pobres bilionários. A carne é
fraca.
Janot é o novo herói
desse grupinho de iluminados, e olhando o quadro completo você só pode
constatar que a carne é, reiterada e conclusivamente, fraca. Claro que o
mote é apoiar o “comandante da Lava Jato”. Temos de admitir que a
importância de Rodrigo Janot para as conquistas éticas da Lava Jato só é
comparável à de Dilma Rousseff para as conquistas intelectuais da
mulher.
Pensando bem, o
Brasil deveria se livrar dessa confusa profusão de partidos díspares e
desconexos e consolidar o que é bom num partido único – o que tiver as
maiores boiadas. Essa consolidação, inclusive, já foi feita pela alma
mais honesta dos dois Hemisférios, num trabalho árduo de mais de década
com o brilhantismo do BNDES e o suor do seu rosto, caro leitor. Janot, o
herói dos artistas, sabe o que é bom para o país – e é por isso que os
donos do partido único ganharam a chance de ir para Manhattan refletir
sobre os destinos dos brasileiros.
É hora de tirar esse
partido único da clandestinidade. Chega de intermediários, basta de
amadorismo. Os artistas de passeata têm razão. O Brasil nunca mais vai
precisar de reforma da Previdência, reforma trabalhista, orçamento
equilibrado, juros, impostos, leis, nada. Basta dar o poder a quem
realmente tem dinheiro, e aí não é nem mais o caso de perguntar de onde
esse dinheiro veio – porque, como já vimos, ele será distribuído de
graça entre aqueles que querem a revolução do bem e facilitam as coisas
para os líderes dessa revolução não irem para o xadrez.
Você nem se lembra
mais da delação-bomba de João Santana. Talvez se lembre de quem foi João
Santana – e isto é bom você não esquecer: foi um dos mentores
intelectuais da transformação do Brasil num vasto e pródigo pasto
ideológico, onde tudo se resolve mediante um modesto pedágio ao rei. A
literatura sobre a formação épica da república do pixuleco está toda na
internet, a seu alcance. Releia uma hora destas, se quiser entender o
que foi a Revolução de Maio de 2017.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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