Em artigo publicado no
Estadão, o jurista Ives Gandra da Silva Martins diz que a mera presença
simbólica do Exército em Brasília serviu para estancar a desordem
promovida por baderneiros. É o papel constitucional das Forças Armadas:
Os recentes atos de
vandalismo provocados por movimentos que sempre se manifestam promovendo
a baderna, destruição de bens públicos e privados – pois são notórios
violadores da lei e da ordem, a título de impor o que entendem ser ideal
para o País, ou seja, a “república do caos” – deixaram um saldo
negativo para a imagem do Brasil, com incêndios e depredações de
ministérios, em Brasília.
É de lembrar que o
ex-presidente Lula pediu aos autoconfessados delinquentes de colarinho
branco da JBS dinheiro para financiar a ida à capital federal de
invasores de terras (MST), transportados em 60 ônibus, com outros
violadores da ordem. Onde conseguiram dinheiro para tudo isso é questão
que deve ser averiguada. Provocaram uma desordem não contida pela
Polícia Militar do Distrito Federal e que só foi possível debelar quando
o presidente da República chamou as Forças Armadas a intervir, como
determina a Constituição.
A imprensa, não
versada no Direito Constitucional, e os políticos de esquerda, que
chamaram os agressores de bens públicos de “companheiros mascarados”,
enxergaram no ato uma violação à ordem democrática. Ora, agiu o
presidente da República rigorosamente como deveria, não se omitindo na
preservação da ordem e da lei, pois a Constituição permite o uso das
Forças Armadas em tais circunstâncias.
O artigo 142 da Carta
Magna, caput, tem a seguinte redação: “As Forças Armadas, constituídas
pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições
nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e
na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e
destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais
e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
São três, portanto,
as suas funções, a saber: 1) garantir a defesa da Pátria, 2) garantir os
Poderes constituídos e 3) a pedido de quaisquer deles (Poderes
constituídos) assegurar o cumprimento da lei e da ordem.
Em outras palavras, o
Título V da Lei Suprema, destinado a assegurar o Estado Democrático de
Direito nas crises externas ou internas – que nós, os
constitucionalistas, denominamos “Regime Constitucional das crises” –,
constituído de nove artigos (136 a 144), dá às Forças Armadas (142 a
143) e às forças de segurança pública (144) tais funções, que podem ser
exercidas em crises internas invocando o “estado de defesa” (crise
localizada) ou de “sítio” (generalizada), para evitar que a ordem seja
tisnada.
Ora, os baderneiros –
que não entendem que na democracia todas as manifestações populares são
válidas desde que sem violência – produziram caos impossível de ser
controlado pela Polícia Militar, primeira linha de defesa da ordem
pública e da paz social. Sua ineficiência causou a necessária convocação
do Exército, cuja mera presença simbólica já serviu para estancar a
desordem, a ponto de o decreto presidencial poder ser revogado em menos
de 24 horas.
A lição não
compreendida pelos que desconhecem a Constituição – além daqueles que
fingem não compreendê-la por cinismo, com vista à imposição arbitrária
de seus próprios objetivos – é a de que os constituintes de 1988 deram
às Forças Armadas o relevante papel de estabilizador das crises
políticas e sociais, quando os Poderes se tornarem incapazes de uma
solução por vias normais. Assim, agem na defesa da Pátria (fracasso da
diplomacia), na defesa das instituições contra agressões físicas
(fracasso da população em entender que a violência contra instituições
não é própria das manifestações democráticas) ou da lei e da ordem
(fracasso da harmonia entre Poderes ou invasão de competência de um na
de outro).
O simples fato de se
criar esse instrumento supremo e estabilizador, em momentos de crise não
solucionada pelo poder civil, foi pensado pelos constituintes de 88,
objetivando preservar a mais importante conquista política de um povo,
que é a democracia.
John Rawls, em seu
livro Direito e Democracia, sustenta só ser possível a democracia a
partir da convivência de “teorias não abrangentes”. Ou seja: não há
teoria absoluta, na democracia; do debate entre as várias teorias é que
surge, para cada nação, a melhor aplicável. Não sem razão, o regime
parlamentar é o melhor sistema de governo (responsabilidade a prazo
incerto), pois as mudanças políticas se fazem sem traumas, ao contrário
do presidencialismo (irresponsabilidade a prazo certo), em que tais
mudanças são sempre traumáticas. Das 20 maiores democracias do mundo, 19
são parlamentaristas e só uma (Estados Unidos) é presidencialista.
Tais considerações eu
as faço para esclarecer que têm as Forças Armadas função relevante,
para não permitir que a democracia brasileira seja maculada por
baderneiros e políticos oportunistas, ou seja, aqueles que causaram o
caos econômico, a inflação descontrolada, o desemprego elevado e brutal
queda do PIB, além de longos anos de corrupção sem limites.
A democracia só pode
ser vivenciada por povos que compreendem que o debate político é
necessariamente oposição de ideias e que estas devem ser sempre expostas
sem limites, mas também sem violência, para que a razão, e não a emoção
gerada pelo populismo, venha a prevalecer. A ignorância, de rigor, é a
grande arma de que o populismo se serve para conquistar o poder. Mas o
líder populista é um despreparado para exercê-lo, razão por que, quando o
conquista, promove retrocesso e corrupção.
Pode-se criticar o
texto constitucional por adiposidade excessiva em disposições, muitas
delas sem densidade constitucional. Mas, na essência, Ulysses Guimarães e
Bernardo Cabral (presidente e relator) conseguiram de seus pares um
texto em que a parte dedicada aos princípios fundamentais é boa,
principalmente a que diz respeito aos direitos individuais e ao
equilíbrio entre os Poderes, com papel relevante, mas de reserva para
crises, das Forças Armadas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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