A Comissão de
Constituição e Justiça do Senado aprovou, em 31 de maio, o projeto de
emenda constitucional que dispõe sobre eleição direta em caso de
vacância presidencial até um ano antes do fim do mandato. A PEC ainda
terá longa tramitação — e, para se impor, depende de votações, em dois
turnos, nas duas casas do Parlamento.
Não importa. Esse
puxadinho constitucional — de natureza oportunista e pretensão
imediatista — é inválido, pois corrompe dois artigos da Constituição
Federal combinados: o 81, que afirma que o pleito, no cenário delineado,
seria indireto, e o 60, que trata de cláusulas pétreas e veda mudança
na periodicidade da eleição para o exercício em curso. Há ainda, a ser
subsidiariamente considerado, o artigo 16, explícito: alterações em
regras eleitorais só podem ser aplicadas a eleições ocorridas um ano
após a modificação na lei. Um conjunto de solidez inviolável — com o
qual não se joga, o qual não se negocia, não se golpeia — e leitura
cristalina: a PEC proposta não teria efeito súbito caso Michel Temer
afinal caísse. Ponto final.
Ponto final?
Não.
Os governistas
erraram ao firmar com a oposição o acordo que resultou na aprovação, por
unanimidade, do tal projeto na CCJ. E os petistas e suas linhas
auxiliares talvez não tenham sido ingênuos ao festejar essa vitória.
Convém aos
governistas que reflitam sobre o histórico recente de interferências do
Judiciário no Legislativo, e que, portanto, ponham as barbas de molho se
o compromisso que negociaram com os esquerdistas decorrer de inabalável
fé no respeito à Constituição, da certeza de que os artigos citados
sejam imexíveis e, pois, da convicção — também oportunista — de que,
pelo menos em 2017, teriam o controle sobre a eventual sucessão do
presidente.
Não quero instruir
parlamentar sobre a importância de conhecer a história do Parlamento,
mas não seria aconselhável certo cuidado ao cerrar pacto de compreensão
constitucional com aqueles — os petistas — que se negaram a assinar a
Constituição em vigor?
Escrevi que os
esquerdistas talvez não tenham sido ingênuos ao comemorar o que
pareceria passo modesto porque tenho a impressão, cada dia mais
nítida,de que ora investem em que essa emenda avance no Congresso — sob o
consenso de que sua aprovação não poderia resultar em aplicação
imediata — para que, uma vez confirmada, recorram ao Supremo
questionando o entendimento daqueles artigos constitucionais e exigindo
emprego instantâneo da eleição direta.
O leitor duvida?
Repare, então, na
atuação de partidos como Rede e PSOL, especialistas em atentar contra o
Legislativo desde dentro e a judicializar as principais
responsabilidades do Parlamento para o qual elegem — ou no qual
infiltram — representantes. Vejo até o ministro Luís Roberto Barroso —
apaixonado pelo clamor das ruas, e criativo constitucionalista que é —
pronto para matar a causa popular no peito e estufar a rede.
__
Uma questão de ordem
lógica. Por que o PT e suas linhas auxiliares consideram o Congresso
ilegítimo para — caso Michel Temer caia — eleger o próximo presidente da
República, conforme expresso na Constituição Federal, mas legítimo para
promover uma emenda constitucional?
Eles não têm resposta para isso.
Como explicar que um
Parlamento tratado — pelos mortadelas — como lixo esteja, segundo os
próprios embutidos, habilitado a alterar a Carta Magna, mas inabilitado a
preservá-la? Por que, aliás, o impeachment de Dilma Rousseff, de rito
estabelecido na Constituição, era golpe, e a eleição direta — segundo se
deseja agora, de forma não prevista na Lei Maior — seria conquista da
democracia?
Eles não têm resposta para isso.
Convictos sobre a
podridão do Legislativo, e se minimamente preocupados com o destino do
país, o correto — o coerente — não seria que os esquerdistas
trabalhassem contra qualquer mudança essencial na Constituição,
sobretudo se para modificar as regras do jogo enquanto a bola está
rolando?
Mais do que não terem
resposta para isso, eles não podem responder, ou exporiam a índole,
essencialmente contraditória, do oportunismo em que operam, arrivismo
que posa nu sob o sol quando voltamos 20 anos no tempo para perguntar se
os que hoje militam pela eleição direta para presidente não são os
mesmos que, em 1997, chamavam de golpista (com razão, diga-se) a emenda
constitucional pela reeleição, a mais baixa obra de Fernando Henrique
Cardoso, que transtornou o desenho do tabuleiro mesmo com as peças em
movimento. Hein?
O que terá mudado em
duas décadas? Nada. A vida pública não foi reformada pelo tempo: a
atividade política no Brasil não amadurece, não é balizada por
convicções, por compromissos com valores, pelo respeito à norma legal,
mas pelo cupim moral que corrói a institucionalidade e abre os veios —
os dutos — das vantagens ao projeto de poder de turno.
Uma emenda constitucional é somente uma picada para o Planalto — golpista ou não, a depender de quem manuseia o facão.
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São já três semanas
sem se ouvir falar em Luiz Inácio Lula da Silva. De modo que repetirei a
pergunta que aqui formulei em 23 de maio: não lhe parece genial,
leitor, que as delações dos irmãos Batista — cuja JBS teve crescimento
artificial sem precedentes durante os governos petistas — tenham Temer
como protagonista, e não Lula e Dilma?
Hein, Janot?
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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