Michel Temer já não governa, escreve o historiador Marco Villa. Artigo publicado no jornal o Globo:
A crise política se
aprofunda. Mas, desta vez, diversamente de outros momentos da história
republicana, a possibilidade de uma saída negociada, através da velha
conciliação, não parece que solucionará o impasse. Isto porque a crise é
mais profunda, não é conjuntural, pontual, é do sistema. E aí é que
mora o problema central: o sistema tem condições de se autorreformar?
Para alguns, o
impeachment de Dilma Rousseff encerraria a crise de governabilidade.
Comparavam — equivocadamente — 1992 com 2016, Itamar Franco com Michel
Temer. Com a nova maioria parlamentar, o país seguiria relativamente
tranquilo até a sucessão presidencial de 2018. O simplismo analítico não
conseguia detectar a gravidade da crise sistêmica, a maior da nossa
história em extensão e profundidade.
As instituições estão
desmoralizadas. O estado democrático de direito se transformou — por
paradoxal que seja — em apanágio de corruptos. Foi tomado por interesses
privados do capitalismo de quadrilheiros. Que é suficientemente amplo
para subornar e comprar a estrutura do aparelho de Estado e suas
ramificações na sociedade civil.
A cada dia se
aprofunda a fratura entre Brasília e o Brasil. Há um entendimento de que
somos governados por uma elite cínica, que não teme a Justiça e o
julgamento do voto popular. É como se tudo estivesse à venda e pudesse
ser mercantilizado. Para justificar este terrível estado de coisas
buscam até justificativas históricas, mambembes, é verdade, procurando
dar um ar de continuidade, de inevitabilidade, à corrupção como se fosse
um fenômeno da natureza, e não da relação entre os homens.
É recorrente a
afirmação de que a estabilidade política é indispensável à recuperação
econômica. Fica implícito que as ações de combate à corrupção estão
criando dificuldades à economia. E que a Lava-Jato, especialmente, já
teria cumprido o seu papel. Sua permanência seria um desserviço ao país.
Neste caso, o mercado estaria sinalizando que é possível conviver com a
corrupção, desde que seja aceitável, até um certo limite. Não causou
admiração o apoio entusiástico, principalmente do setor financeiro, ao
projeto criminoso de poder petista. Vale recordar que no auge do
processo de impeachment de Dilma Rousseff, dirigentes de grandes bancos
não compartilharam do entusiasmo popular em defesa da ética e moralidade
republicanas. O mesmo se repete um ano depois. Para eles, é
indispensável ao país a permanência do governo Temer, mesmo que envolto
em graves acusações de corrupção.
Para o capitalismo
quadrilheiro, que depende do Estado para seus negócios — e Estado no
sentido conceitual da expressão —, pouco importa se as instituições não
conseguem dar conta dos anseios populares. O que desejam é a concessão
de facilidades, de privilégios, especialmente. Maculam os processos
eleitorais sem qualquer constrangimento. Basta ressaltar que no segundo
turno da eleição presidencial de 2014 Dilma Rousseff e Aécio Neves
receberam propina do grupo JBS. Em outras palavras, a eleição serviu
para que os brasileiros escolhessem um dos candidatos — mas desde que
fosse da JBS e servisse à família Batista, uma espécie de
democrabatista, criação nacional, dos tempos sombrios que vivemos.
Quem não ficou
horrorizado com o julgamento do Tribunal Superior Eleitoral da semana
passada? E as manobras para impedir a apreciação de provas que o próprio
TSE colheu? E os ministros recém-nomeados por Temer que não se sentiram
impedidos em votar em defesa de Temer? E o triste papel de Gilmar
Mendes, atacando o Ministério Público, a imprensa, constrangendo
ministros? E Napoleão Maia propondo degolar seus adversários? Tudo isso
ocorreu no julgamento mais importante da história do TSE, ao qual
milhões de brasileiros assistiram. Mesmo assim, a democrabatista
novamente venceu. E foi jogada mais uma pá de cal na democracia
brasileira.
Michel Temer deixou
de ser o presidente da República. Apenas ocupa o Palácio do Planalto.
Mas não governa. Sua lenta agonia não pode paralisar o país. É uma
falácia a ligação entre a aprovação das reformas e a sua permanência no
poder. Muito pelo contrário, as reformas tendem a ser aprovadas com a
profundidade necessária quando o Palácio do Planalto tiver outro
ocupante. Ou seja, a manutenção de Temer levará a que as reformas passem
com diversas alterações — produto de negociações para se manter a todo
custo no poder —, prejudicando a essência do projeto modernizador das
relações trabalhistas e previdenciárias.
Hoje, Temer é
sinônimo de turbulência, de instabilidade. A cada semana um novo
escândalo vai envolver o governo. E quem permanecer apoiando este bloco
que está no poder não será protagonista na sucessão presidencial em
2018. Isto é, sair do governo é condição indispensável para ter sucesso
eleitoral nas próximas eleições. Além do que, é um grave equívoco a
afirmação de que a queda de Temer levará à volta do PT. Não há relação
entre um fato e outro. Vale lembrar que o PT foi derrotado
fragorosamente na última eleição — há menos de nove meses — nos
principais colégios eleitorais do país.
Eleger, como
determina a Constituição, um novo presidente certamente diminuirá a
tensão. Mas não vai resolver o impasse. O sistema deverá encontrar uma
saída emergencial, ainda este ano. Mas a crise é muito mais profunda. E
coloca em risco a democracia. Não devemos nos esquecer de que o Brasil
tem uma triste tradição autoritária, e os recentes escândalos jogam água
no moinho daqueles que almejam uma solução extraconstitucional.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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