O
governo decidiu adotar uma saída nada usual para tentar levar à frente
seu plano de construir 721 quilômetros de linha de transmissão entre as
cidades de Manaus (AM) e Boa Vista (RR), trecho que falta para
interligar todos os Estados do país por meio de uma única rede de
distribuição de energia. O objetivo é financiar a obra avaliada em cerca
de R$ 1,8 bilhão com recursos de um encargo cobrado mensalmente na
conta de luz de todos os consumidores do País, a chamada Conta de
Consumo de Combustíveis (CCC). O uso do encargo para a construção de
linhas de transmissão passou a ser possível a partir de um decreto
publicado pelo governo na semana passada e que altera as regras sobre
utilização desses recursos. Originalmente, o encargo existia apenas para
bancar a compra de itens como óleo diesel, gás e carvão usados em
usinas térmicas de regiões isoladas do país, sem ligação com o sistema
interligado nacional. Agora, parte de sua arrecadação poderá ser
aplicada nas obras de linhas de transmissão como a Manaus-Boa Vista, um
dos projetos mais polêmicos do setor elétrico, pela presença de terras
indígenas que seriam atravessadas por seu traçado. Os recursos da Conta
de Consumo de Combustíveis são definidos anualmente pela Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Em fevereiro deste ano, a
arrecadação de 2017 foi fechada em R$ 3,9 bilhões, volume bem inferior
aos R$ 6,3 bilhões do ano passado. A queda nesse montante ocorreu após
auditorias feitas pela própria Aneel, que reavaliou o volume do
combustível usado pelas termoelétricas. Nas contas do Ministério de
Minas e Energia (MME), o consumo anual de combustível pelo Estado de
Roraima tem girado em torno de R$ 500 milhões por ano, dinheiro que é
pago com recursos do encargo. O uso de mais recursos para financiar a
obra vai pressionar ainda mais a tarifa cobrada da população, mas a
avaliação do governo é que, após quatro anos de operação, a própria
linha se pagará, além de acabar com os gastos com combustíveis. A
solução financeira não resolve todo o caso. O MME ainda precisa definir o
que fazer com a situação da concessionária Transnorte Energia, formada
pela estatal Eletronorte e a empresa Alupar. Em setembro de 2011, a
concessionária venceu o leilão para construir a linha, que tinha prazo
de três anos para ficar pronta e operação prevista para janeiro de 2015.
Ocorre que, dos seus 721 km de extensão, 125 km passariam pela terra
indígena Waimiri Atroari, onde estão 31 aldeias e mais de 1,7 mil
índios. O processo não conseguiu autorização do povo waimiri, tampouco
da Fundação Nacional do Índio (Funai). No fim do ano passado, a empresa
entrou com pedido formal de desistência do projeto na Aneel, após cinco
anos em tratativas e discussões para tentar obter licenciamento. No
pleito, a concessionária apresentou ainda uma conta de R$ 534 milhões a
receber, conforme um estudo financeiro feito pela Fundação Getúlio
Vargas para estimar custos no período e indenizações. A agência acatou o
pedido de extinção, mas não julgou a indenização. Apesar de a Aneel ter
se posicionado a favor da extinção do contrato, essa não é a convicção
do MME, que pretende levar o projeto adiante. O interesse do governo em
construir a linha não se limita apenas à possibilidade de deixar de
queimar combustíveis poluentes ou de se livrar das condições precárias
de abastecimento a partir da Venezuela, que hoje entrega energia para
parte de Roraima. A linha de transmissão viabilizaria, também, a
construção de hidrelétricas planejadas para serem erguidas no Rio
Branco. A resistência dos indígenas waimiri atroari não demoveu o
governo do plano de avançar com a linha de transmissão Manaus-Boa Vista
por dentro da terra indígena. O argumento é que a mudança do traçado
afetaria várias unidades de conservação ambiental e ficaria bem mais
cara. Ao passar pela terra indígena, a linha seguiria a lateral da
BR-174, que já liga as duas capitais e passa na terra demarcada. O
governo acredita que só a Eletronorte prossiga no projeto. O
entendimento é que a estatal, que mantém termo de cooperação financeira
com os indígenas por conta dos impactos causados pela construção da
hidrelétrica de Balbina, nos anos 80, terá mais facilidade em firmar
acordo para passar a linha de transmissão em suas terras. Há duas
semanas, o ministro da Justiça, Osmar Serraglio, chegou a atrelar a
demissão do então presidente da Funai, Antônio Fernandes Costa a
dificuldades de negociar o projeto de transmissão com os indígenas. No
sábado (13), o povo waimiri perdeu seu maior defensor e interlocutor.
Morreu o indigenista José Porfírio Fontenele de Carvalho, responsável
pela defesa e recuperação do povo waimiri, quase dizimado na abertura da
BR-174, no período militar. Nos últimos anos, ele fez oposição ao
projeto de transmissão por entender que iria interferir ainda mais na
vida indígena.
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