Inquietações de Percival Puggina - que, aliás, não são só dele:
1. Aquilo foi uma
armação? Claro que foi. Afirmá-lo não torna Joesley mais culpado do que
já é. E por mais que queiramos desanuviar a cena para o bem do país isso
não exime Michel Temer de suas responsabilidades pessoais em relação ao
fato.
2. O encontro jamais
deveria ter acontecido. Lembram da viagem de Ricardo Lewandowsky, então
presidente do STF, à cidade do Porto, em julho de 2015, para se
encontrar, longe dos olhos da imprensa, com a então presidente Dilma
Rousseff? Pois é. Existem reuniões essencialmente reprováveis.
3. A fita foi
editada? Haverá uma perícia, tardiamente solicitada pelo ministro
Fachin. No entanto, nessa hipótese, quem primeiro deveria ter denunciado
isso seria o próprio Temer, para dizer que o diálogo não correspondia
ao que foi conversado, que suas frases de aprovação não se referiam aos
crimes confessados por seu interlocutor, mas a outros ditos proferidos
no encontro.
4. Em momento algum,
após a divulgação do áudio, o presidente mencionou que algo pronunciado
por ele estivesse ausente da fita levada a público. E mais: quando seu
visitante sumiu nas sombras da noite, nenhuma atitude tomou sobre o que
dele tinha ouvido.
5. Não vislumbro,
portanto, qualquer motivo para abrandar as responsabilidades da mais
alta autoridade da República diante do que ouvi naquela gravação, e li
na sua degravação.
6. O ministro Fachin
atuou de modo apressado, pondo a prudência em risco? Sim, e pode estar
na falta de uma perícia da fita, a saída para Michel Temer, na hipótese
de que o pleno do STF, julgando o recurso impetrado pela defesa do
presidente, suspenda a investigação contra ele. Mas isso não altera o
fato em si.
7. O acordo de
delação beneficiou os irmãos Batista de um modo escandaloso, que repugna
a consciência nacional. A estas alturas, Marcelo Odebrecht deve estar
se perguntando: "Onde foi que eu errei?". Não há demasia em imaginar
que, no encerramento do acordo da laureada delação, a autoridade pública
que o coordenou tenha dado um beijo nas bochechas dos Batista brothers e
ido para casa abrir uma bouteille de champagne.
8. No entanto,
conforme alertou o Dr. Luiz Marcelo Berger com base na Teoria dos Jogos,
os dois salafrários podem vir a ser presos por outros crimes praticados
fora do acordo celebrado com a justiça.
9. Toda essa situação
beneficia o PT? Sim, tudo que é ruim para o Brasil é bom para o PT, e
vice-versa. Por isso, o PT quer rasgar a Constituição e defende a ideia
de diretas imediatas. Depois de bater os recordes mundiais de
incompetência e corrupção, o partido imagina voltar ao poder para mais
do mesmo. Suas lideranças ainda não fizeram ao país todo o mal que
pretendem, nem a si mesmos todo o bem que aspiram.
10. O governo Temer
emergiu do interior da gestão que dirigia o país desde 2003,
compartilhada entre o que havia de pior no PT, no PMDB e no PP. O
impeachment de Dilma Rousseff não foi uma campanha oposicionista para
"eleger" Michel Temer presidente. Foi uma consequência dos atos por ela
praticados e teve como consequência constitucional a posse do
vice-presidente eleito e reeleito em chapa com ela.
11. O troféu da
ingenuidade vai para quem esperou que um grupo de homens virtuosos
saísse do interior daquele governo unido em torno do vice-presidente.
Não havia gente assim por lá. Salvar a nação do naufrágio - e isso vem
sendo feito - era uma parte da missão. A outra era salvar o próprio
pêlo.
12. As medidas para
sair da crise, reduzir o descrédito do país (ou, em melhor hipótese,
melhorar a confiança nele) envolvem providências que, no curto prazo,
causam rejeição popular. Com um Congresso marcado pela corrupção,
assombrado pelo temor da reação dos eleitores no pleito de 2018, o apoio
a tais medidas envolve concessões que reduzem o efeito das reformas.
Elas ficarão ainda mais difíceis sob uma presidência fortemente atingida
em sua honra pessoal.
13. Não há
conveniência política nem suporte constitucional para uma antecipação da
eleição presidencial. A Constituição de 1988, exatamente para evitar
casuísmos desse tipo, tornou cláusula pétrea a periodicidade das
eleições. Antecipar é romper a periodicidade.
16. Está
constitucionalmente determinado que a sucessão do presidente, passada a
primeira metade do mandato, se proceda por eleição indireta, através do
Congresso Nacional. O artigo 224 da lei 13.165, da minirreforma
eleitoral de 2015, define diferentemente, mas está em desacordo com a
Constituição.
17. Os fatos ainda
estão rolando, como pedras, morro abaixo. Impossível, portanto, fazer
previsões com segurança. Inclino-me, porém, pela conveniência de afastar
o presidente (por renúncia, por cassação da chapa no TSE ou, na pior
das hipóteses, por impeachment), preservando a base de apoio para uma
eleição indireta no plenário do legislativo nacional.
18. Pode ser que, um
dia, em nova tormenta institucional sempre por vir, despertemos para a
absoluta irracionalidade do nosso presidencialismo, pivô de crises que
cada vez mais vigorosamente flagelam o país.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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