Quase 22 milhões de árvores já foram arrancadas no estado.
Brasil controla melhor a doença do que o maior concorrente, os EUA.
É bonito ver do alto. De perto, os pomares escondem um problema difícil de enxergar, mas não de reconhecer. O responsável pelo estrago que já atinge mais de 60% dos laranjais de São Paulo, principal estado produtor do Brasil, tem três milímetros.
É um inseto da família dos psilídeos, transmissor de uma doença conhecida por três nomes: HLB, greening ou amarelão. O principal sintoma de um pé atacado são as folhas amareladas. O fruto fica ácido ou azedo, mas o consumo não faz mal. A doença ataca apenas a planta.
Uma das primeiras propriedades onde a doença foi registrada no Brasil é o Sítio São Bento, em Santa Lúcia. Havia 30 hectares de laranja. A produtividade era boa, de quatro caixas por pé. No início dos anos 2000, os proprietários começaram a perceber que havia alguma coisa estranha surgindo no pomar. Só quatro anos depois, os técnicos conseguiram descobrir: era o amarelão.
Osvaldo e Lazara Padovani, veteranos no cultivo da laranja, tiveram que arrancar todos os pés. Guardam, no jardim, o material usado naquela época. Agora é tudo cana e lembrança. Foi assim com o casal Padovani, foi assim com muita gente que não teve outra saída. Até porque, com o amarelão, arrancar as plantas doentes é obrigatório. Faz parte do manejo.
Primeiro, é bom entender como os laranjais ficam doentes. O amarelão é uma doença causada por bactéria. O transmissor é o psilídeo, a Diaphorina citri, e o hospedeiro é o pé de laranja.
O inseto procura a planta para se alimentar. Se estiver infectada pela bactéria, ele se contamina, voa para outra planta, e ao se alimentar novamente, passa a bactéria para a planta sadia. A bactéria se multiplica e é transportada para o todo o pé por meio do fluxo da seiva. Não se sabe como a bactéria chegou pela primeira vez ao Brasil.
É possível ver as várias fases do psilídeo, em uma criação para pesquisa, em outra planta hospedeira, a murta. Os pontos amarelos são os ovos. O psilídeo, ao se alimentar da seiva da planta, se posiciona em um ângulo de 45 graus. É nessa hora também que, na natureza, se adquire a bactéria.
“O adulto pode sobreviver, depois que ele vira adulto, em torno de três meses. Daí a importância de se efetuar esse controle desse inseto, porque senão ele vai estar por um período de três meses disseminando a bactéria em diferentes pomares. Ele é um inseto bastante migratório, não fica restrito a um pomar”, diz o agrônomo Marcelo de Miranda.
As imagens foram registradas no laboratório do Fundecitrus, o Fundo de Defesa da Citricultura, uma associação privada mantida por produtores e pelas indústrias de suco, que fica em Araraquara, São Paulo.
Os pesquisadores do Fundecitrus realizaram um estudo inédito: sequenciaram o genoma da bactéria que causa o amarelão. Um trabalho difícil, já que ninguém, até hoje, conseguiu reproduzi-la em laboratório.
“A maior dificuldade da bactéria é você estudá-la, porque você não consegue cultivá-la em meio de cultura. Normalmente, as bactérias crescem em meios ricos. Você pode estudar o crescimento, tolerância a temperatura, antibióticos, estudar o genoma dessa bactéria de forma mais maleável, mas a bactéria causadora do greening só cresce dentro da planta ou dentro do inseto. Isso limita muito a maneira como nós conseguimos trabalhar com essa bactéria”, afirma o biólogo Nelson Wulff.
Por causa dessa dificuldade para desvendar os mecanismos de ação da bactéria, as atenções estão voltadas para o inseto. No laboratório do Fundecitrus, estão sendo desenvolvidas várias pesquisas com o objetivo de combater o psilídeo. Um estudo, por exemplo, aposta no poder de atração do inseto. Os pesquisadores já descobriram que a planta muito atacada pelo amarelão libera um odor que o psilídeo adora, mas é um cheiro que a gente não consegue perceber.
Já o inseto sente direitinho. Em um olfatômetro, de um lado do tubo só tem ar puro, filtrado, e do outro, os odores das folhas contaminadas pela bactéria. O teste é repetido várias vezes para não deixar dúvidas. “Ele tem uma atração pela cor, mas como a gente observa com armadilhas que usam só a cor, é uma eficiência muito baixa, e a gente tem, inclusive, alguns testes em campo com atraentes e que aumentam consideravelmente a captura de insetos.”, explica o agrônomo André Signoretti.
Os estudos apostam também no poder que o cheiro tem de afastar o inseto. No Vietnã, foram encontrados pomares de laranja, tangerina e goiaba plantadas em consórcio, onde a incidência de amarelão era muito baixa. Logo, desconfiou-se que a goiabeira podia ser um repelente natural do psílideo.
O Fundecitrus fez uma parceria com a Esalq, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP, para se aprofundar no assunto. O entomologista José Maurício Bento, especialista no estudo de insetos, explica que a descoberta foi animadora.
“Já sabemos quais são esses compostos, já estão identificados. Já estão patenteados. A ideia é não se plantar goiaba. A ideia é justamente utilizar essa substância que foi isolada, identificada, para repelir esse inseto, seja por forma de um liberador ou seja manipulando geneticamente as plantas de citrus e introduzindo esse genes na planta, para que ele expresse essa substância e, dessa forma, possa repelir o inseto no pomar”, diz Bento.
Enquanto essas inovações não saem do laboratório, a única forma de manter o amarelão sob controle é fazer um manejo rigoroso no pomar. No município de Matão, uma das grandes produtoras de laranja da região, a fazenda Cambuhy, está conseguindo diminuir a população do psilídeo em seus seis mil hectares.
São feitas até nove inspeções por ano nas plantas. Os pragueiros usam plataformas para não deixar nenhum ramo sem verificação. A planta que tiver sintoma da doença é marcada com uma fita amarela.
Um inspetor de moto fica responsável pelas bordas da fazenda. Geralmente, é por onde o psilídeo chega. Armadilhas foram espalhadas, inclusive nos pomares vizinhos.
A pulverização com inseticida químico é feita a cada três semanas. Nas bordas, é feita a cada 15 dias. Essa é uma medida de prevenção, mas, quando não se consegue evitar a chegada da bactéria, a medida é drástica: o corte da árvore doente.
Até hoje, a fazenda Cambuhy já erradicou 350 mil plantas por causa do amarelão. 7% do custo de produção são gastos com o controle da doença. O gerente agrícola da fazenda explica que 1% desse investimento é gasto nos pomares vizinhos.
Depois da mudança de estratégia, o nível de infestação caiu de 3,5% para 1,5%. Pesquisas e manejo rigoroso fazem do Brasil uma referência mundial no controle do amarelão. O país chama atenção principalmente do nosso concorrente mais forte na produção de laranja, o estado norte-americano da Flórida, que já divulgou uma redução de cerca de 10% na safra deste ano por causa da seca e dos estragos causados pela doença.
“Noventa por cento do suco do mundo é produzido no estado de São Paulo e Flórida. São tem uma incidência de 7% de greening contra 30% do estado da Flórida. Uma diferença grande para uma doença que praticamente foi detectada no mesmo momento. Por que isso? Porque São Paulo adotou uma medida rigorosa de manejo desde o primeiro momento em função da cultura que já existia por parte do citricultor, que comprou a ideia e vestiu a camisa no controle da doença. Na Flórida, levou tempo para que o citricultor entendesse a importância de se inspecionar, eliminar as plantas doentes e controlar o inseto. Com isso, a doença avançou rapidamente. É uma vantagem competitiva que nós temos nesse momento, que deve ser aperfeiçoada e perseguida”, diz Juliano Ayres, diretor do Fundecitrus.
Desde que a doença foi identificada, em 2004, os Estados Unidos já gastaram US$ 73 milhões em pesquisas de combate ao amarelão. Os gastos do Brasil foram de US$ 30 milhões, menos da metade, e estamos fazendo mais com menos. Nossos resultados são muito melhores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário