*Ranulfo Bocayuva l Jornalista / A TARDE
Apoiado em investigações cuidadosas, o Estado brasileiro tem condições técnicas e políticas, além de obrigação histórica e moral, para esclarecer questões que, embora não sejam novas, podem ser investigadas mais detalhadamente: João Goulart, deposto pelo golpe de 64, foi envenenado ou morreu, em 6 de dezembro de 1976, de causas naturais?
Foi atentado ou acidente que matou, em 22 de agosto de 1976, Juscelino Kubitschek?
Há documentação comprovando que, de fato, a Operação Condor, organizada pelos regimes militares do Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Bolívia e Paraguai e com o apoio da Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos, planejou o assassinato de importantes líderes políticos desta região. Por isso, reforça-se a tese de que Jango e JK também eram alvos.
Acredita-se, até com razão, que devemos olhar para o futuro e que não há lugar para revanchismo, já que a Lei de Anistia foi decretada. Certo. Mas, feliz- mente, em nome do conhecimento histórico e do desejo coletivo de que nunca volte a se repetir tal obscurantismo repressivo e torturador, recomenda-se, como outros países latino-americanos já o fizeram, a contínua abertura das "caixas-pretas" da ditadura brasileira.
Lembremos que crimes de lesa-humanidade podem ainda ser levados à Justiça, com base em tratados internacionais sobre direitos humanos.
A Comissão Nacional da Verdade empenha-se em passar a limpo as mentiras sobre desaparecimentos, torturas e mortes e abriu investigações sobre os casos de Jango (exumação do corpo foi autorizada) e JK (provas levantadas pela OAB-MG). Ambos articulavam, na época, a Frente Ampla para disputar eleições presidenciais.
Curiosamente, outros políticos de oposição a regimes militares em seus respectivos países também morreram em 1976. Para citar apenas alguns casos: em 22 de maio de 1976, dois importantes políticos uruguaios, o ex-senador Zelmar Michelini e o ex-deputado Héctor Gutierrez Ruiz, foram assassinados, em Buenos Aires. Em Washington, Orlando Letelier, ex-ministro do Exterior do Chile no governo de Salvador Allende, foi vítima de atentado a bomba colocada em seu carro, em 21 de setembro de 1976. Podem também ser registrados os assassinatos, em 76, do general Juan José Torres, deposto na Bolívia com o apoio do Brasil, e do general chileno Carlos Prats, em Buenos Aires, em 74, um ano depois do golpe do general Pinochet.
Baseados em depoimentos e pesquisas de historiadores, como Luiz Alberto Moniz Bandeira (autor de O governo de João Goulart) e Carlos Fico (O grande irmão), os filmes O dia que durou 21 anos (de Camilo Tavares e Flávio Tavares) e Dossiê Jango (Paulo Henrique Fontenelle) revelam provas, com base em áudios, vídeos e documentos inéditos, não somente sobre o direto envolvimento do governo dos Estados Unidos com o golpe de 64, por meio dos presidentes John Kennedy e Lyndon Johnson, como também sobre a Operação Condor, destinada a eliminar qualquer resistência a regimes militares.
"Por que houve esses assassinatos de políticos na região do Cone Sul? Havia um receio de todas as ditaduras da região de que, se os EUA provocassem um processo de abertura, estes políticos seriam eleitos e os militares teriam de prestar contas. Então, essas mortes são suspeitas como a morte de Jango", explica, no filme Jango, Jair Krischke, fundador do Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul.
O depoimento de Mario Barreiros Neira, ex-agente secreto uruguaio, também merece atenção. Segundo ele, Jango foi envenenado a pedido do governo brasileiro.
Como se percebe, ainda existem versões contraditórias sobre os mesmos fatos. Cabe perguntar: "Tudo que pensamos ser verdade um dia muda?" (voz em off no Jango). Esperamos que não.
*Ranulfo Bocayuva l Jornalista
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