São Paulo foi a cidade que não podia parar. Pois está parando. Ou já parou. Não apenas no trânsito, mas em suas múltiplas atividades e serviços. Pior ainda: no inconsciente das pessoas, onde o dinamismo cedeu lugar à acomodação e até ao egoísmo. A população paulistana imobilizou-se em seus automóveis e ônibus paralisados por dezenas de quilômetros durante várias horas por dia, sem reagir nem protestar. Acomodou-se como se estivesse sofrendo pragas divinas diante das quais o remédio é conformar-se. O pior é que esse sentimento estendeu-se para muito além das avenidas congestionadas. O cidadão considera natural chegar atrasado no emprego ou em casa, no fim do dia, sem fazer conta do prejuízo para o desempenho individual ou coletivo. A alternativa seria oferecer horas de sono, lazer ou convívio familiar no altar da eficiência, superando os percalços pelo sacrifício. Só que ninguém consegue. São todos humanos. A metástase se iniciou: os garçons são lentos, os balconistas demoram no atendimento aos fregueses, os eletricistas, encanadores e toda a gama de prestadores de serviços não tem pressa. As empresas também não. Nem os médicos, os advogados e os entregadores de encomendas. Em vez de desesperar-se, submetem-se. Nem se exasperam quantos, por estar esperando, poderiam exigir mais eficiência. É como se uma nuvem de inércia cobrisse a cidade. Melhor assim, é claro, do que submeter-se todos a um ataque coletivo de nervos.
O diabo está em que São Paulo perdeu seu dinamismo. Acabou inoculando a população o inchaço de gente, de carros, de falta de espaço, de obrigações proteladas e de oportunidades perdidas para a sobrevivência individual ou coletiva. A maioria acomoda-se enquanto, no reverso da medalha, cresce o número de carentes e de miseráveis que continuamente demandam o antigo paraíso, ou nele permanecem, sem outras opções do que recorrer à caridade ou aderir à lei da selva. Daí o aumento do número de roubos, furtos, agressões, assassinatos e violência de toda espécie. Os crimes gerados pela necessidade de sobrevivência superam aqueles causados pela distorção de personalidades, inclinações, tendências malévolas e falta de vontade para enfrentar e respeitar os princípios éticos da vida, superados pela necessidade de uns e o mau exemplo de outros.
Há quem identifique nesse nó que envolve a maior cidade do país a lei basilar da física, de que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço. A superpopulação estaria na raiz do impasse que leva São Paulo a parar. Não apenas excesso de gente, mas de automóveis, ambições, desilusões e desespero.
Abrir novas avenidas, túneis e viadutos, sacrificando o indivíduo para atender a máquina, será tão inócuo quanto multiplicar o assistencialismo ou aplicar em São Paulo o princípio da livre competição entre quantidades desiguais. A rebelião dos excluídos sem alternativa só fará aumentar as agruras do conjunto. Fechar as fronteiras da cidade não dá: equivalerá a estender a mesma intolerância a regiões sempre maiores, além do que, nascem nas próprias comunidades sem futuro contingentes sempre maiores de desesperados e desiludidos. Controlar a natalidade ou adotar o eufemismo de planejamento familiar despertará forças incontroláveis, pois os carentes, os menos favorecidos e os miseráveis continuarão aumentando em progressão geométrica, frente às soluções ditadas pela aritmética.
Anos atrás Hollywood investiu no absurdo, com o filme “Fuga de Nova York”, onde no futuro, de tão inviável, aquela metrópole foi cercada de muros imensos, vigiada do lado de fora por mísseis e metralhadoras, pois ninguém entrava e ninguém saía daquele território abandonado à própria sorte, sem lei nem autoridade. O diabo, nessa história fantástica, foi quando o avião do presidente da República fez uma aterrissagem forçada no Central Park...
A verdade de São Paulo é frustrante quando se atenta que a locomotiva emperrou, os trilhos enferrujaram e os vagões continuam vazios, ou quase. São Paulo, que sempre solucionou o Brasil, agora pede socorro de um modo singular: que ninguém se aproxime para salvar a cidade onde não cabe mais ninguém, nem os salvadores.
É claro que as elites paulistanas que ainda conseguem sobreviver, em especial se utilizam helicópteros, protestam diante de diagnóstico tão sombrio. Estão à margem das agruras que envolvem as massas e a classe média. Mas sofrem cada vez mais, até nos Jardins. Seu destino é ser esmagadas mais ou menos como o bezerro apertado pelos anéis da sucuri. Boas intenções e fantasiosas formulações podem partir de minorias iludidas, tanto faz se de privilegiados metalúrgicos ou de banqueiros indiferentes ao que se passa à sua volta. Ate de uns poucos políticos e sociólogos que a realidade ainda não atingiu. Serão todos inundados pela onda implacável.
Em suma, não dá mais para se comprimir num espaço limitado essa legião de iludidos.
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