MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

quarta-feira, 19 de junho de 2013

O PT e a Copa das manifestações em rede

José Amando Junior

Há 12 anos participei da organização de uma das maiores manifestações de estudantes da Bahia após o período de redemocratização do Brasil. Em 2001 fomos às ruas nos dias 10 e 16 de maio pedir a cassação dos então envolvidos no chamado "escândalo de violação do painel do Senado". Além dessas manifestações, participei de outras inúmeras passeatas em prol da realização de concursos públicos para professores na UFBA e depois em defesa da causa dos sem-teto em Salvador. Nelas sempre contamos com o apoio de membros do Partido dos Trabalhadores.
Hoje, assistindo às manifestações populares que eclodiram no mesmo período em que o Brasil sedia um evento mundial, creio que seja possível estabelecer pontos de distinção entre aquele modelo de manifestação de 12 anos atrás e estas que explodem país afora, alcunhadas de "difusas" ou "com reivindicações distintas" por setores do governo. Mas será que essas manifestações são realmente "difusas"?
O modelo tradicional de passeatas ou manifestações de rua sempre foi pautado por uma racionalidade analítica, finalística e específica, voltado a uma ou algumas reivindicações setorizadas e tratadas como problemas muitas vezes isolados. São exemplos as manifestações em prol da redemocratização; sindicais em campanhas salariais; estudantis por melhores condições para a educação; em prol da reforma agrária ou de qualidade na habitação em grandes cidades etc.
Esse não é o modelo de manifestação que se vê hoje nas ruas do Brasil. É preciso que os intelectuais e pessoas de bom senso que compõem a estrutura do governo petista reflitam sobre a gênese do inconformismo publicamente manifestado se ainda estiverem predispostos a entender o clamor das ruas, e tentar uma reaproximação da parcela da população formadora de opinião, que hoje se manifesta contra o atual modelo de gestão pública no país.
Inegável que o PT é a síntese da experiência partidária mais bem-sucedida no processo de redemocratização do Brasil, principalmente na conformação do discurso de esquerda a partir da década de 80 do século XX, fato este reconhecido até por pessoas que militaram em outros partidos como o antigo MDB (digo isso a partir de reflexões do meu saudoso pai, ex-deputado do PMDB). Alinhado a uma concepção materialista histórica, a qual dominou os discursos de formação educacional da minha geração, o PT ajudou a moldar o pensamento crítico da classe média brasileira nas últimas 03 décadas, o que dificulta até a organização de uma oposição ao seu governo
Acontece que essa mesma classe média hoje vaia a Presidente da República e se manifesta nas ruas. O que mudou? A criatura se voltou contra o criador? Será que existe algo que justifique essa crise de relacionamento que propiciou, por exemplo, uma derrota político-municipal impensável há 10 anos (vale lembrar que em 2002 o então Deputado Estadual Nelson Pelegrino foi eleito o Deputado Federal mais votado de Salvador)? O que de fato está acontecendo na relação entre a classe média e o partido que praticamente cunhou o pensamento crítico na política nacional nas últimas décadas?
Não acho que exista uma resposta simples para esses acontecimentos, mas acho que existe uma questão que pode orientar essa busca: será que é possível tentar compreender e satisfazer uma sociedade tão complexa a partir do suprimento de demandas específicas originárias de uma compreensão que divide essa mesma sociedade em classes, gêneros, etnias, religiões etc.? Será que é possível ainda tentar compreender o todo (sociedade) pelas partes (grupamentos sociais)? Penso que esse seja um aspecto que mereça a reflexão do Partido dos Trabalhadores.
Houve avanços econômicos e sociais que justificam uma popularidade relativamente alta do governo petista. Mesmo os que o acusam de tentar aliciar a vontade política da população pelos programas sociais têm de reconhecer que houve uma redução significativa da miséria no Brasil e só não vê isso quem nunca teve contato com o meio rural nordestino. Se fosse essa a causa das manifestações, as políticas sociais do governo e o crescimento econômico do Brasil falariam por si.
Ocorre que a forma de pensar mudou. No século da comunicação não existem poucas demandas profundas e sim muitas demandas interligadas. Não existe a visão de um problema isolado que, resolvido, inicia um processo de melhoria de outros problemas isolados que, por sua vez, possuem gradação de prioridade na pauta de um governo. Existem problemas conectados em rede que só podem ser tratados como tal, de forma unificada, sob uma perspectiva sistêmica.
Portanto, de "difusas" essas manifestações não têm nada. Não são por preço de passagens; nem contra a corrupção, nem pela educação, nem pela melhoria da saúde pública, nem contra o governo ou contra a copa. Essas manifestações não têm como tema as "partes"; essas manifestações têm como pauta o "todo".
Advogado e mestre em Direito Público, amando@a3.adv.br

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