Jacinta é 'Mãe Social' e já cuidou de até 10 meninos e meninas de uma vez.
Em 20 anos de carreira, foi a figura materna de mais de 20 crianças.
A Mãe Social Jacinta Firmino posa com fotos e brinquedos de seus nove filhos na sala da sua Casa Lar (Foto: Andréia Martins/G1)
A Mãe Social é uma mulher com a tarefa de cuidar de crianças em
situações delicadas, que tiveram seus direitos desrespeitados ou se
tornaram orfãs. Ser mãe é o emprego de Jacinta de Fátima Firmino, 48
anos, que se dedica há quase duas décadas à profissão de Mãe Social.
Hoje, ela cuida de 5 meninos e 4 meninas com idades entre 3 e 15 anos,
na chamada 'Casa Lar'. Quem a escuta falando sobre as crianças nem
imagina que não são seus filhos biológicos ou que o emprego de Jacinta
exija exatamente que ela seja a mãe deles.As exigências não são poucas. Os pré-requisitos para ocupar o cargo são: mulheres, preferencialmente solteiras, com mais de 25 anos, sem filhos menores de idade, com o ensino médio completo e que tenham disponibilidade para morar no local de trabalho. Além disso, é preciso que não só gostem de crianças, mas que estejam preparadas para lidar com até nove delas em fases tão distintas quanto a primeira infância e a adolescência, de uma vez só.
Um dos três quartos da 'Casa Lar' de Jacinta, onde
dormem os meninos (Foto: Andréia Martins/G1)
As atribuições não param por aí: as Mães Sociais precisam construir
suas rotinas nas Casas Lares, onde moram com as crianças, precisam
acompanhar o desempenho de cada uma delas no colégio, administrar um
orçamento apertado, participar de cursos semanais de formação e prestar
contas com precisão. Tudo isso com salário, 36 horas de descanso
semanal, carteira assinada, previdência social e todos os direitos
previstos em lei. Este é o perfil básico da mulher que escolhe a
maternidade como profissão. E faz tudo o que uma mãe faz.dormem os meninos (Foto: Andréia Martins/G1)
Jacinta conta que soube da Aldeia SOS na Paraíba, entidade que emprega as Mães Sociais, através de uma reportagem na televisão. A instituição recebe crianças encaminhadas pela Vara de Infância, com idades entre 0 e 17 anos, e as Mães Sociais são contratadas para cuidar delas. Por isso, está sujeita a lidar com todas as fases de desenvolvimento. "É preciso ter bastante paciência, é um trabalho que nunca acaba", afirma.
Foi exatamente o conjunto de responsabilidades que fez com que ela achasse a ideia de se tornar Mãe Social interessante. Afinal, a experiência com crianças ela já tinha: ajudava no cuidado dos quatro sobrinhos desde que nasceram e, após o falecimento repentino de sua irmã, assumiu por completo a responsabilidade de supervisionar o desenvolvimento deles.
Com o novo casamento do cunhado, que levou os sobrinhos embora, ela se sentiu incompleta. Lembrou da Aldeia SOS e resolveu tentar transformar o seu amor pelas crianças em ganha pão. Em 1995, quando fez a seleção, havia quatro candidatas para duas vagas. Hoje, o processo é permanente.
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Ela conta que foi difícil se adaptar, mesmo tendo a experiência que
ganhou com seus sobrinhos. “Foi uma prova de fogo. Só fica mesmo quem
gosta e quem ama. Me afastei completamente da minha família. A proposta é
acolher uma família e renunciar à outra”, afirma. Após um mês de
treinamento, Jacinta foi para a Casa Lar pela qual seria responsável e
começou a cuidar de dois meninos. Depois, chegaram mais três crianças. E
assim, ela chegou a tomar conta de 10 delas ao mesmo tempo. Ela afirma
que chegaram a esse número porque a Aldeia preza pela não separação de
irmãos, sendo comum que a instituição receba crianças da mesma família.Jacinta fala que, no início, tinha certo receio de cuidar de adolescentes. Mas, aos poucos, foi aprendendo como poderia lidar com eles da maneira ideal. A gestora da Aldeia em João Pessoa, Ana Lúcia Felix do Nascimento, explica: “É claro que os conflitos existem, mas é aí onde a equipe de suporte da nossa instituição entra”. São psicólogos, pedagogos e assistentes sociais que servem de base para as Mães Sociais.
A Mãe Social Jacinta e a gestora Ana Felix na sede
da Aldeia Infantil SOS em João Pessoa
(Foto: Andréia Martins/G1)
“O ambiente da Casa Lar é criado para que as crianças sejam capazes de
transpor o luto pela perda ou pela separação de suas famílias. Elas
sabem que estão em uma instituição de acolhimento e da sua própria
história, e também se existe a possibilidade de retorno para sua
família. Trabalhamos essa compreensão de acordo com a faixa etária de
cada uma”, afirma Ana Felix.da Aldeia Infantil SOS em João Pessoa
(Foto: Andréia Martins/G1)
A ideia de acolhimento é levada a sério. Jacinta diz que sempre trata as crianças como se fossem suas, principalmente quando está com elas na rua, e que mantém contato com todos os que passaram pelo seu cuidado. E consegue fazer isso tudo respeitando a vontade e a individualidade de cada uma delas. “Eu fui quem mais aprendeu em todos esses anos. Eles podem me chamar da forma que quiserem. De tia, de mãe, de mainha. De todo jeito eu vou tratar com o mesmo carinho. A gente se apega demais. Quando eles completam 18 anos ou quando retornam pras suas famílias, a gente sente muito", lamenta.
Por causa disso, ela afirma que se sente como mãe mesmo: “Tenho eles como meus filhos. Já tenho até netos! Eles me apresentam como mãe quando constituem suas famílias, me respeitam, me dão carinho como mãe. Me sinto realizada por tudo o que eu já fiz”, comemora. Ao falar que já se afastou da função de Mãe Social por mais de um ano, por problemas de depressão, após o assassinato de um de um rapazes de quem ela já tinha cuidado quando menino, ela se emociona. “Foi como se tivessem me arrancado um pedaço e me afastar foi pior. Ficar longe das crianças não é a solução pra mim”, conclui.
A Mãe Social é, muitas vezes, a única referência que essas crianças possuem"
Ana Lúcia, gestora da Aldeia SOS na Paraíba
A Aldeia Infantil SOS é uma instituição internacional com mais de 60 anos de existência. Surgida na Áustria pós Segunda Guerra, está hoje em 132 países e em 14 estados brasileiros, mais o Distrito Federal. Os recursos utilizados para a manutenção da sede da Aldeia e das quatro casas na Paraíba vem, principalmente, de doações. Os chamados Amigos SOS contribuem mensalmente, em todo o Brasil, e esses recursos são repassados para as casas. As mães tem que lidar com a parte administrativa, inclusive a prestação de contas, e são o vínculo entre as crianças e a instituição.
A Aldeia também trabalha para remodelar a família e para que a criança possa retornar ao lar. Mas, se não for possível, elas passarão a fazer parte do cadastro de adoção. A gestora calcula que 70% das 36 crianças sob os cuidados das Mães Sociais em João Pessoa estão nesse cadastro.
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