Palavras
certas ditas pelas pessoas erradas em erros se transformam. Isso é tão
verdadeiro que o contrário é impossível: pessoas certas dizendo coisas
erradas não tornam acertos os erros. Reflitam um pouco. Não se trata de
mero jogo de palavras. Isso vale para ministros do Supremo a opinar
sobre assuntos que estão fora de sua alçada — ainda que digam as coisas
certas — ou, sei lá, para médicos ou sacerdotes. Querem ver? Eu,
católico que sou, acho que a oração faz bem. Rezar é um jeito de limpar a
sua crença da fuligem do dia, que a vai turvando, de rever seus
próprios valores, de repensar suas próprias atitudes. Assim, digo eu,
aos que creem: rezem que faz bem! Mas me parece impróprio, ainda que,
segundo penso, correto em si, que um médico diga a seu paciente, ao se
despedir: “E olhe, trate de rezar bastante!”. É o que chamo de coisa
certa na boca errada. NOTA À MARGEM SÓ PARA NÃO DEIXAR PASSAR – “E
exemplo do segundo caso, Reinaldo, de gente certa dizendo a coisa
errada? Tem?” Tenho. Pegue-se o mesmo sacerdote. É a pessoa certa para
recomendar que alguém faça as suas orações. Mas seria um erro danoso que
ele recomendasse aos fiéis que dispensassem o tratamento médico,
confiando na oração.
Por que
isso? Joaquim Barbosa, ministro do Supremo e presidente do tribunal,
proferiu uma palestra a estudantes. Disse coisas certas, em si. Segundo
ele, os partidos brasileiros são frágeis e distantes do eleitorado.
Leiam reportagem de Laryssa Borges e Marcela Mattos, na VEJA.com. Afirmou:
“Nós
temos partidos de mentirinha. Nós não nos identificamos com os partidos
que nos representam no Congresso, a não ser em casos excepcionais. Eu
diria que o grosso dos brasileiros não vê consistência ideológica e
programática em nenhum dos partido”. Segundo ele, nem os partidos
políticos nem os próprios dirigentes partidários “têm interesse em ter
consistência programática ou ideológica”. E resumiu: “Querem o poder pelo poder”.
Está
essencialmente certo, embora eu discorde dessa história de “poder pelo
poder”. Fosse assim, eu estaria mais tranquilo. Com frequência, querem o
poder para cuidar dos próprios interesses e dos de sua turma. Barbosa
também defendeu o voto distrital, com o que concordo:
“O Poder
Legislativo é composto, especialmente a Câmara dos Deputados, que é a
mais numerosa, em grande parte por representantes pelos quais não nos
sentimos representados por força do sistema eleitoral adotado no Brasil,
que trunca as eleições, que não contribui para que tenhamos uma
representação clara, legítima (…) A solução seria a adoção do voto
distrital, voto em que, para a Câmara dos Deputados, teríamos que
dividir o país em 513 distritos, e cada cidadão residente em um distrito
iria votar em uma pessoa que ele conheça, de quem ele possa cobrar”.
Diagnóstico,
até onde foi nesse particular, impecável! A questão, no entanto, é
esta: é ele o homem certo para dizer essas coisas? A resposta é “não”.
Cria mais calor do que luz; mais confusão do que clareza; mais
contratempos do que soluções.
“Ah, o
fato de ele ser ministro do Supremo não o impede de ter uma opinião.”
Repetirei o mesmo que disse sobre a ministra Maria do Rosário: se
Barbosa opinar que é melhor dividir em dois o biscoito recheado, ninguém
tem nada com isso. Os temas sobre os quais falou, no entanto, são de
interesse público, dizem respeito a outro Poder e fatalmente acabarão
esbarrando em votos que terá de dar um dia. Nesse caso, convém calar-se
ou ser mais genérico: “Caberia ao país discutir a questão da
representação…”. Há, enfim, modos de fazer a coisa.
Barbosa
expressou ideias em si corretas, mas com erro de pessoa. Especialmente
porque está na Presidência de um Poder. Aplaudo o conteúdo do que disse,
mas aponto a inoportunidade de pessoa.
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