Menos de 1% têm emprego formal, segundo Associação dos Surdos de AL.
Além do preconceito, há falta de qualificação profissional.
Surdos contam com instrutor de libras no TRT de
Alagoas. (Foto: Carolina Sanches/ G1)
A cientista da computação Samila Holanda, de 26 anos, é um exemplo de
que quando se tem persistência e força de vontade os obstáculos ficam
menores. Ela é surda e trabalha há dois anos como digitadora do Tribunal
Regional do Trabalho (TRT). Para a analista, a maior barreira
enfrentada pelo deficiente auditivo é o preconceito.Alagoas. (Foto: Carolina Sanches/ G1)
“Já tive outros empregos, mas em funções de pouca visibilidade. Em uma loja que trabalhei, por exemplo, algumas pessoas desistiam de pedir minha ajuda quando percebiam que não escuto”, contou em entrevista a reportagem do G1 com a ajuda de um intérprete.
No mesmo setor que Samila trabalha há outros três deficientes auditivos que contam com o auxílio do instrutor de libras Dayvisson Kleber. “Não vejo diferença do trabalho de um ouvinte e dos surdos. Desde que comecei a trabalhar só me surpreendo com a força de vontade que eles têm em aprender e fazer o trabalho bem feito”, destacou o instrutor.
Assim como a cientista da computação, o auxiliar administrativo e instrutor de libras Jerlan Batista, 24, reclamou das dificuldades enfrentadas pelo deficiente auditivo no mercado de trabalho. Ele, que é surdo desde que nasceu, conta que a falta de oportunidade de crescimento na empresa faz com que muitos desistam do trabalho regulamentado e passem para a informalidade.
Jerlan Batista trabalha como auxiliar administrativo
e instrutor de libras. (Foto: Carolina Sanches/ G1)
“Trabalhei em agência bancária e em fábrica, mas não era feliz na
função que exercia e sabia que não tinha possibilidade de crescimento.
Quando comecei a trabalhar como interprete ajudando em cursos de libras
me senti realizado”, afirmou o jovem, que cursa faculdade de Biologia.e instrutor de libras. (Foto: Carolina Sanches/ G1)
Mesmo com a lei que determina que empresas com mais de 100 funcionários devem deixar pelo menos 3% das vagas para deficientes, o índice de surdos inseridos no mercado de trabalho é pequeno.
A estimativa da Associação de Amigos e Pais de Pessoas Especiais (AAPPE) é de que apenas cerca de 300 dos deficientes auditivos estão no mercado regular de trabalho. Esse número representa menos de 1% dos cerca de 180 mil surdos em Alagoas, segundo o censo de 2010 do IBGE.
Para a presidente da AAPPE, Iraê Cardoso, muitas vezes a falta de emprego para a pessoa com deficiência deve-se principalmente ao preconceito. Segundo ela, existem aquelas pessoas que possuem uma faculdade, são preparadas e estão na lista de espera de vagas. Outros pontos apontados por ela são a falta de qualificação profissional e a oferta de trabalho para os surdos em postos de pouca remuneração.
Iraê Cardoso fala sobre falta de qualificação
profissional. (Foto: Carolina Sanches/ G1)
“Existe uma lacuna muito grande no que diz respeito a educação
inclusiva no estado. Somente em 1998 que começaram a ser formados os
primeiros intérpretes e isso fez com que muitos deixassem de ter acesso
ao mercado de trabalho formal. Mesmo com o avanço que tem sido
registrado ao longo dos anos, ainda falta muito a ser feito para que os
surdos possam ter as mesmas condições de buscar uma melhora
profissional”, observou a presidente.profissional. (Foto: Carolina Sanches/ G1)
Projeto busca diminuir carência
Há mais de 20 anos a AAPPE, uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, trabalha para atender as carências de pessoas com deficiência auditiva em Alagoas. Com oito sedes espalhadas pelo estado, a associação atende atualmente cerca de 1.500 pessoas.
A iniciativa de criar a associação foi de Iraê que é analista de sistemas e, após a morte de seu irmão surdo, abraçou a causa e juntou-se a outras pessoas para buscar garantir o direito das pessoas com deficiência auditiva. “Essa causa se tornou meu projeto de vida”, ressaltou.
Pensando em diminuir a carência educacional da comunidade surda, a associação lançou, há dois anos, o Projeto IRES – Instituto Bilíngue de Qualificação e Referência em Surdez, que funciona em uma sede improvisada no bairro da Jatiúca, em Maceió. E é com sorriso nos lábios que Iraê fala sobre o projeto e os planos de expansão. “A proposta é criar um espaço que possa oferecer cursos, palestras e outras atividades como a produção de livros e vídeos. Nosso objetivo é inserir a pessoa com deficiência auditiva no mercado de trabalho”, explicou.
Surdos têm aula de libras no projeto IRES (Foto: Carolina Sanches/ G1)
O projeto da sede do IRES já está pronto e o terreno doado pelo Governo
do Estado. Os esforços de Iraê agora são para fazer com que ele saia do
papel. “Contamos com colaboradores e estamos divulgando sempre todos os
benefícios que um espaço adequado pode fazer não só para os surdos, mas
seus familiares e a comunidade em geral”, falou a presidente, lembrando
que as pessoas que quiserem ajudar o projeto podem entrar no site da AAPPE e entrar em contato com a associação.Empresas precisam se adaptar
Para Iraê Cardoso, a maioria das organizações se preocupa apenas em cumprir a cota, sem focar na qualificação dessa mão de obra ou em intervenções que poderiam melhorar seu desempenho no trabalho.
“Muitas pessoas, por desconhecimento, acham que o deficiente auditivo, por ter um auxílio do INSS, não quer trabalhar. Mas isso não é a realidade. O problema é que, muitas vezes, as vagas ofertadas são somente em balcões de supermercados ou outros cargos que não valorizam a capacidade profissional”, falou.
Mas existem empresas que, além de ofertar vagas para os deficientes, estimulam a interação entre os profissionais. O empresário Ronald Vasco é do ramo da construção civil e diz que a inclusão social é muito importante no ambiente de trabalho. Os profissionais de sua empresa passaram recentemente por um curso de libras na AAPPE e hoje já têm uma maior interação com os surdos que trabalham junto com eles.
“Acho importante a inclusão. O nosso maior problema, principalmente na construção civil, é encontrar profissionais qualificados”, disse Vasco, ao citar como exemplo uma capacitação para surdos promovida pelo Sebrae que possuía 16 alunos e apenas dois deles foram aproveitados na empresa.
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