O GLOBO
Kátia
Abreu*
Nélson
Rodrigues dizia que subdesenvolvimento não se improvisa: é uma longa e penosa
elaboração. Triste verdade. Basta lembrar a campanha da vacinação obrigatória,
comandada por Oswaldo Cruz no início do século passado.
O
sanitarista lutava contra a febre amarela que, àquela altura, matava em escala
epidêmica. Pois grupos organizados se insurgiram contra Oswaldo Cruz e a favor
do mosquito. Estamos diante de episódio equivalente.
A
ameaça de greve dos trabalhadores dos portos contra a medida provisória que
abre à iniciativa privada os terminais portuários - e aumenta em escala
geométrica a movimentação de cargas, barateando a exportação - é tão bizarra
quanto a luta em favor do mosquito. Inscreve-se entre os primores da
arquitetura do atraso.
O
Brasil figura, no relatório "The Global Competitiveness Report", do
Fórum Econômico Mundial, na 130a posição em eficiência/qualidade portuária.
Detalhe: são 144 os países incluídos no ranking.
E
por que esta colocação? Difícil resumir a insensatez. O que temos é uma
associação mortal
(e
desonesta) entre burocracia e corporativismo, que não deriva apenas dos
trabalhadores. A eles, se associam empresários Estado-dependentes, empenhados
em manter uma reserva de mercado, em prejuízo do país. Defendem com unhas e
dentes o mosquito da febre amarela. Devem apreciar a posição do Brasil no
ranking internacional, pois lutam para mantê-la. O mais espantoso é que a MP
dos portos não
ameaça
os privilégios dos grevistas. Não altera o seu anacrônico sistema trabalhista -
único no país e no mundo! Nele, contratações, jornadas de trabalho e salários
são regidos pelo Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO), um cartório que mantém o
país refém de regras contraproducentes, que encarecem os custos de utilização
dos portos e inviabilizam a competitividade.
Pois
a MP não altera isto. Apenas enquadra os trabalhadores dos novos terminais nas
regras da CLT, aquela que (imaginem!) vigora, desde Getúlio Vargas, para todas
as categorias profissionais do país.
Os
portuários e seus aliados querem que o atraso se estenda aos novos terminais,
cuja missão é exatamente livrar-se do modelo atrasado. Alegam que os
trabalhadores dos portos privados serão penalizados. É o contrário: não existe
perda salarial onde há competitividade. E esses trabalhadores irão auferir
ganhos efetivos de salários, sem a contrapartida da asfixia do setor.
O
que essas corporações temem é o êxito desse novo modelo, que vai expor o
anacronismo de seus métodos e regras. Como dizia Goethe, nada mais temerário
que a ignorância ativa.
Sabe-se
que o gargalo da infraestrutura é o maior obstáculo ao crescimento do país,
impedindo-o de se tornar competitivo. Numa economia globalizada, nada mais
letal.
O
que a MP dos portos estabelece já vigora em relação a aeroportos, rodovias e
ferrovias. Nada de novo: apenas um exercício de bom-senso e visão de futuro, na
mesma sintonia que inspirou o Visconde de Cayru, há 205 anos, ao propor a Dom
João VI a abertura dos portos do Brasil ao mundo.
*Katia
Abreu é presidente da Confederação Nacional da Agricultura
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