MEDIÇÃO DE TERRA

MEDIÇÃO DE TERRA
MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 20 de janeiro de 2013

Profissões, lendas urbanas e piadas servem de inspiração para blocos


Não há regras para batismo de agremiações em Pernambuco.
Maioria retrata acontecimentos do cotidiano, com ironia ou gozação.

Do G1 PE

Estandarte do bloco 'Os Irresponsáveis', que sai na Quarta de Cinzas no Recife (Foto: Luna Markman/G1)Estandarte do bloco 'Os Irresponsáveis', que sai na Quarta
de Cinzas em Água Fria, no Recife. (Foto: Luna Markman/G1)
“Formiga sabe que roça come”, "Lenhadores", "Vassourinhas", “Me dá teu bichinho que eu cuido”, “Acorda”, “Os irresponsáveis”, “Eu acho é pouco”,  “Cabeça de touro” e “O urso da mãe” são alguns nomes curiosos de agremiações carnavalescas existentes na Região Metropolitana do Recife. Elas surgiram de forma espontânea, criadas para alegrar grupos de amigos de uma comunidade ou organizações profissionais.

Não há regras na hora de batizar as agremiações. "Os nomes são algo à parte em Pernambuco, tornando a festa mais alegre e irreverente. Os desfiles proporcionam momentos únicos aos foliões", explica o historiador Carlos André Silva de Moura, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). "Os participantes saem durante o carnaval com mensagens políticas, de sarcasmo a alguma personalidade da mídia ou da comunidade, retratando algum acontecimento do cotidiano", complementa.

O pesquisador relata que muitos grupos foram criados em rodas de conversas, como a Troça Carnavalesca Mista Formiga Sabe que Roça Come, que desfila no bairro do Ipsep, no Recife. "Fundada em 1957, a agremiação recebeu esse nome do fundador Eládio Paiva, que com um grupo de amigos, resolveu fazer uma brincadeira para sair no carnaval. Ao informar à esposa, dona Luiza, da sua ideia de criar uma troça, ela respondeu, inicialmente contrária: 'formiga sabe que roça come'. Na mesma hora, Eládio Paiva e seus amigos batizaram a troça com essa expressão", contou Carlos André.
Encontro dos Vassourinhas do Recife e de Olinda (Foto: Luna Markman/G1)Encontro dos Vassourinhas do Recife e de Olinda, no carnaval de 2012 (Foto: Luna Markman/G1)
Categorias profissionais
Algumas agremiações bem antigas, até seculares, surgiram a partir da reunião de trabalhadores de uma mesma categoria. "São profissionais que aproveitavam um folga para brincar o carnaval. Todos que seguiram essa lógica surgiram primeiro no Recife e, depois, foram replicados em Olinda", explica o historiador Mário Ribeiro, da Fundação de Cultura Cidade do Recife (FCCR).

"Foi assim que garis do Recife criaram o Clube Vassourinhas, depois Olinda copiou. Estivadores do antigo Porto do Recife fundaram o Clube dos Lenhadores. O mesmo ocorreu com o bloco carnavalesco Pás de Carvão, também de trabalhadores do Porto. Tem ainda a troça Abanadores do Arruda, criada pelos abanadores de fogo", exemplifica Ribeiro.
Répolica do Homem da Meia-Noite no aniversário de 80 anos (Foto: Luna Markman/PE)Réplica do Homem da Meia-Noite no aniversário
de 80 anos, em Olinda. (Foto: Luna Markman/PE)
Bonecos gigantes
A tradição dos bonecos gigantes de Olinda é bastante famosa no país, e a partir deles também surgiram várias agremiações. Os artistas pensam em alguém para homenagear, criam o boneco gigante e algumas troças, blocos e clubes são fundados. "A Mulher do Dia, por exemplo, foi criada para ser a mulher do Homem da Meia Noite. Já o Menino da Tarde surgiu para ser o filho do Homem da Meia Noite", falou.

Segundo nota oficial do clube, há duas versões para o surgimento do Homem da Meia-noite, nascido em 1932, após uma briga entre intregrantes da troça Cariri. A primeira afirma que um dos fundadores, Luciano Anacleto de Queiroz, era apaixonado por cinema e se encantou com o filme "O Ladrão da Meia-noite", sobre um homem galante que saía de dentro de um relógio gigante para assaltar a população de uma cidade.

A outra história é mais folclórica. Conta-se que um dos criadores do clube, o carpinteiro e músico Benedito Bernardino da Silva, sentava-se na calçada de casa para tocar um instrumento de sopro. Diariamente, um elegante senhor, com os mesmos trajes e trejeitos que hoje o boneco usa - cartola na cabeça, dente de ouro e um sorriso malicioso - passava pela rua por volta da meia-noite. Segundo a lenda, Benedito descobriu que o homem era um conquistador, que usava as madrugadas de sábado para pular as janelas das casas para namorar donzelas.

Veja outros nomes curiosos:

Mulher na Vara
Em 1993, uma mulher que seguia o bloco Tá Maluco, em Olinda, torceu o tornozelo. Amigos arrumaram uma vara de goiabeira, onde a mulher sentou-se e foi carregada durante o desfile. A cena chamou a atenção dos foliões, que gritavam: "olha a mulher na vara!". O grupo gostou da brincadeira e resolveu fundar o bloco, que desfila toda segunda-feira de carnaval, com concentração na Rua da Boa Hora, no Varadouro, a partir das 10h.

Eu acho é pouco
O bloco surgiu a partir de um grupo de amigos, em 1977, criticando a ditadura e a abertura "lenta, gradual e segura" que levou ao fim dos governos militares. A agremiação de cores vermelha e amarela também tem uma versão mirim, chamada Eu acho é pouquinho. Um dragão chinês é a alegoria-símbolo do Eu acho é pouco.

Ceroula
Seis amigos que desfilavam no bloco Pijama decidiram, em 1962, criar uma troça para brincar no sábado de carnaval, em Olinda. "Eles pegaram o estandarte da Pitombeira emprestado e desfilaram fantasiados com uma ceroula branca [roupa de baixo masculina em forma de calça], meia preta, sapato bico fino preto, camisa branca de manga comprida, colete, gravata borboleta e chapéu-coco, tipo Charles Chaplin", explica o presidente da Troça Carnavalesca Ceroula, Marcos Sales, filho de um dos fundadores da agremiação. Atualmente, os homens desfilam com a camisa da troça, tênis, chapéu de palha e, claro, ceroula. Mulher só pode participar da festa a cada cinco anos.
Hoje a mangueira entra surgiu em homenagem à escola de samba carioca. (Foto: Toinho Melcop/ Divulgação)'Hoje a mangueira entra' rende homenagem à escola de samba carioca (Foto: Toinho Melcop/ Divulgação)
Hoje a mangueira entra
O bloco surgiu em 1993, como uma brincadeira de quatro amigas para homenagear a escola de samba carioca. "Elas confeccionaram um estandarte, se vestiram de verde e rosa e saíram pelas ladeiras de Olinda no dia em que a Mangueira entrava na avenida no Rio de Janeiro", contou Malu Melcop, filha de uma das diretoras da agremiação. Hoje, o bloco sai no sábado de Zé Pereira.

Acorda pra tomar gagau
"No ano em que a troça foi fundada [em 2003], a música 'Bebe Negão', de Renato Fechine, andava fazendo bastante sucesso. Um dos nossos [futuros] diretores, Ernani Medicis, criou o hábito de convidar os amigos para beber bem cedo, ligando e citando uma frase da referida música: 'acorda pra tomar gagau'. Quando decidirmos nos reunir para criar uma agremiação, a brincadeira era tão constante que a escolha do nosso nome foi praticamente natural", explicou o Leonardo Siebra, presidente da T.C.M. Acorda pra Tomar Gagau.
Foliões se fantasiam para brincar no bloco I Love Cafusú. (Foto: Katherine Coutinho / G1 PE)Foliões se fantasiam para brincar no bloco I Love Cafusú,
no sábado de carnaval (Foto: Katherine Coutinho / G1 PE)
I Love Cafusú
O bloco surgiu de uma fantasia. É que, em 2004, um grupo de amigas decidiu render homenagens aos cafuçus e, de quebra, tirar um sarro com o machismo brasileiro. "Cafuçu, para a gente que inventou, é aquele homem que não tem medo do ridículo, não tem muito a ver com o estereótipo do homem que trabalha fardado, o carregador de água e o entregador do gás, mas aquele que vive sem preconceito e deixa a gente feliz. A gente fez a fantasia para sair no [bloco] Enquanto Isso na Sala da Justiça, já com estardante e tudo, parecia mesmo um bloco", contou a figurinista e fundadora do I Love Cafusú, Christiana Garrido. A grafia da palavra 'cafuçu', no nome do bloco, é com 'S' e acento mesmo, de propósito, deixando claro que está tudo bem se o bonitão chegar com a gramática meio acidentada.

O nome "rariú" é dado às mulheres que desfilam no bloco. "Tudo sempre é uma brincadeira com machismo, turismo sexual, e 'rariú' é o feminino do 'cafuçu'. É que o sonho da rariú é conhecer um gringo. Ela estuda inglês e vai para o aeroporto esperar o turista, principalmente alemão. Na hora de se comunicar, falar o how are you?, o estrangeiro acaba entendendo que é o nome dela, rariú", brinca Christiana Garrido, que ainda acrescenta outro personagem ao bloco. "É o Prisno, da união de please, no, que serve para homem e mulher, é aquela pessoa que você diz, 'por favor, não, não dá'".
Vilões invadem a Sala de Justiça (Foto: Katherine Coutinho/G1 PE)Vilões invadem a Sala de Justiça, que anima Alto da Sé, em
Olinda, aos sábados. (Foto: Katherine Coutinho/G1 PE)
Enquanto isso na Sala da Justiça
No site oficial do bloco, conta-se que, em dezembro de 1994, um grupo de amigos conversava na Ladeira da Misericórdia, em Olinda, quando o produtor cultural Tuco Santos lançou a proposta de saírem fantasiados de super-heróis e personagens das histórias em quadrinhos, no carnaval. A ideia inicial era seguir blocos infantis, mas decidiram criar um próprio. Depois de calorosa troca de idéias, o nome foi escolhido, lembrando o famoso jargão do desenho "A Liga da Justiça".
O Cachorro do Homem do Miúdo
Segundo o Catálogo de Agremiações Carnavalescas do Recife e Região Metropolitana, publicado pela Prefeitura do Recife em 2009, a troça mista foi fundada em março de 1910 após uma cena inusitada, observada por associados do Clube de Lenhadores da Boa Vista, que estavam em um bar depois de voltarem de um enterro. Um vendedor de miúdos, embriagado, deixou cair todo o produto no chão, quando tentava organizar o cavelete e seu tabuleiro. Todos apostavam que os cachorros que acompanhavam o homem iriam avançar sobre os miúdos, mas, ao contrário, os animais não comeram e ainda afastavam todos que se aproximavam do vendedor. Diante da situação inusitada, um dos fundadores propôs criar a troça, que desfila na terça-feira de carnaval, no bairro de Caixa d'Água, em Olinda.

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