MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Júri sem cadáver decide a partir de indícios e testemunhas; veja casos


5 réus vão a júri popular pela morte de Eliza Samudio, ex do goleiro Bruno.
Segundo o inquérito, crime ocorreu em 2010, mas corpo nunca foi achado.

Rosanne D'Agostino Do G1, em Contagem (MG)

O júri popular, que decide exclusivamente crimes contra a vida, pode ocorrer sem o cadáver da vítima. Segundo a legislação penal e uma jurisprudência (conjunto de decisões) pacífica, isso é possível graças a provas indiretas: indícios e testemunhas.

É o caso de Eliza Samudio, de 25 anos, cujo corpo jamais foi encontrado. Cinco réus vão a júri popular a partir desta segunda-feira (19) por sua morte e cárcere privado. O goleiro Bruno, ex-atleta do Flamengo, é acusado de ser mandante do assassinato. Segundo investigações, o crime teria ocorrido em 2010.
O Código de Processo Penal tem dois dispositivos sobre o exame do corpo de delito, ou seja, o conjunto de vestígios materiais resultantes de um crime. Pelo artigo 167, na ausência de qualquer vestígio, a prova testemunhal supre essa falta. Esse dispositivo visa justamente impedir a impunidade, já que bastaria ao criminoso esconder o corpo para ser inocentado.
O artigo 158 do mesmo código exige o corpo de delito apenas nos casos onde há vestígios do crime. "Ou seja, esses dois dispositivos combinados permitem julgar mesmo sem o corpo", afirma o criminalista e ex-juiz Luiz Flávio Gomes.
"Não precisa do exame direto, pode ser o indireto. Indícios, testemunhas, tudo isso leva ao convencimento. A jurisprudência brasileira admite e isso é pacífico. Juridicamente é possível", complementa. A discussão, segundo ele, é no caso concreto. "É preciso saber se as provas são convincentes. Se o promotor vai convencer os jurados de que ela [Eliza] efetivamente morreu".
Hoje, nós temos várias provas que podem apontar que a pessoa não existe mais sobre a face da Terra"
Desembargador Henrique Nelson Calandra
"Hoje, em face da moderna tecnologia, além da prova testemunhal, a investigação criminal tem empregado meios periciais de alta eficiência", escreveu o professor e criminalista Damásio de Jesus. Foi o caso de um policial condenado em 2003 com base apenas no DNA da vítima encontrado em seu carro, sem o cadáver. "É necessário, contudo, que não haja nenhuma dúvida a respeito da morte da vítima", reitera Damásio.
O consultor jurídico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Geraldo Prado explica que um caso de homicídio só pode ser julgado se houver um corpo ou, na inexistência dele, é preciso haver testemunhas. “Mas aí tem que ter uma carga de convencimento, esta prova testemunhal, tem que ser prova testemunhal, várias pessoas – algumas pessoas pelo menos - que digam: ‘olha, vimos a execução do ato’, assistimos a execução do ato'”, explicou.
O presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), desembargador Henrique Nelson Calandra, diz que vários elementos presentes em um processo podem garantir que a vítima está morta. “Hoje, nós temos várias provas que podem apontar que a pessoa não existe mais sobre a face da Terra. Um rastreamento das suas contas bancárias, um rastreamento de seus dados através das redes mundiais de computador, podem mostrar que a pessoa não está ativa. Isso não é o tempo dos irmãos Naves , onde uma pessoa podia realmente desaparecer”, completou.
Para o perito criminal Mauro Ricart, o corpo continua 'falando', mesmo após a morte. Para desvendar um crime, até os elementos mais microscópicos são relevantes para definir um processo. “Sangue, saliva, esperma, tudo conta uma história. Certamente, em algum lugar, ela vai deixar marca de mão. Vai deixar um fio de cabelo, vai deixar sangue da ferida. Por isso a importância, você chegar no local de um crime com um aspiradorzinho de pó, aspirando tudo pra depois ir pro microscópio e ficar vendo as fibras. Ele ‘tá’ falando através das fibras. Ele ‘tá’ te mandando uma mensagem. Ele ‘tá’ dizendo ‘oh, sou eu, ‘tô’ aqui. Corre atrás que você vai chegar a mim'”, descreveu o perito.
Se está morta, o Bruno não tem culpa"
Rui Pimenta, advogado do goleiro Bruno
Defesa de Bruno x acusação
A inexistência do corpo põe defesa e acusação em lados opostos. O advogado do goleiro Bruno, Rui Pimenta, diz que recebeu uma ligação da Itália que informava o paradeiro de Eliza. “Me ligaram da Itália, que era pra ver num programa que passou de vôlei, lá na Itália, final de campeonato, que fechou... ela (a brasileira que teria feito a ligação) viu isso lá. Fechou na torcida assim e ela disse que Eliza Samudio ‘tava’ lá sentada”, disse o defensor. Questionado pelo Fantástico se acredita que a jovem está viva, ele responde que não. “Não, acho que ela está morta. Se está morta, o Bruno não tem culpa, o Bruno nunca quis nem desejou a morte dessa moça”, completou.
Pimenta alerta para o risco de uma condenação injusta, já que não existe o corpo. “Não tem prova nenhuma. Que prova que tem? Você vai mandar um homem pra cadeia sem prova nenhuma, doutor?”, questionou o advogado.
Eu estou certo de que as provas (...) serão mais do que suficientes"
Henry Wagner, promotor
O promotor de Justiça Henry Wagner Vasconcelos de Castro vai afirmar durante o júri que Eliza está morta. “Este é um crime sem corpo, mas este é um crime repleto de provas. Provas de que Eliza foi submetida, subjugada agredida, sangrada, levada a cárcere privado, silenciada por alguns dias. Para, enfim, ser silenciada fisicamente”, relatou.
O promotor argumenta que as evidências levantadas durante as investigações são suficientes para provar o crime. As movimentações dos acusados e de Eliza foram rastreadas pelos sinais emitidos pelos telefones celulares, em junho de 2010, e as manchas de sangue encontradas no carro que a levou para Minas Gerais são decisivas para provar a violência contra Eliza. “Eu estou certo de que as provas que estão reunidas no processo serão mais do que suficientes para o convencimento do júri. E que provocarão, portanto, a condenação de todos os réus”, finalizou.
Veja a seguir mais casos de homicídios julgados, mesmo sem cadáver encontrado:
Brasília (2003)
O ex-policial José Pedro da Silva é condenado a 17 anos de reclusão pela morte e ocultação do cadáver da adolescente Michele de Oliveira Barbosa, de 16 anos, com base no DNA do sangue da vítima e fios de cabelo achados no porta-malas carro do réu. Segundo testemunhas, a jovem foi vista pela última vez entrando no veículo. Ela estaria grávida, e ele, casado, não queria assumir a criança.
Uberlândia (1988)
Maria Denise Lafetá Saraiva desapareceu deixando uma filha. O suspeito era o marido Daci Antonio Porte, mas em razão da ausência do cadáver ele não foi levado a júri popular. O promotor recorreu, e os jurados consideraram que as provas testemunhais eram suficientes para a condenação a 13 anos de reclusão. Não havia exame de DNA à época.
Rio
(1961)

Leopoldo Heitor, conhecido como advogado do diabo, foi acusado pelo assassinato da milionária Dana de Tefé, em 1961. Ele disse que levava a cliente do Rio para São Paulo quando ambos foram assaltados e ela desapareceu. Ele chegou a ficar nove anos preso, e a polícia realizou várias buscas pela ossada, sem sucesso. Depois, foi absolvido.
Araguari (1937)
O caso mineiro ficou conhecido como um dos maiores erros do Judiciário. Os irmãos Sebastião José Naves e Joaquim Rosa Naves foram presos e, sob tortura, confessaram a morte do primo, que havia desaparecido. Eles chegaram a ser absolvidos pelo júri, mas como o conselho não tinha soberania à época, o Tribunal de Justiça remendou a decisão, condenando ambos. Passados mais de 8 anos de prisão, eles obtiveram liberdade condicional, mas um deles morreu em decorrência das torturas. Em 1952, o primo reapareceu vivo. Sebastião, o irmão sobrevivente, lutou anos até receber indenização do Estado, em 1960.

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