MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sexta-feira, 8 de junho de 2012

MPF recomenda à Marinha medidas para 'coibir' repressão a quilombolas


Procuradoria proíbe qualquer tipo de coação moral ou física aos residentes.
Marinha disputa posse do território ocupado pelos quilombolas na Justiça.

Do G1 BA

As denúncias de repressão contra os residentes do quilombo Rio dos Macacos, território situado perto da Base Naval de Aratu, entre as cidades de Salvador e Simões Filho, são focos de ação do Ministério Público Federal (MPF-BA). A Procuradoria direcionou recomendação ao Comando do 2º Distrito Naval da Marinha no dia 1° de junho, com o intuito de coibir "constrangimento físico e moral" aos remanescentes de escravos. A Marinha, que disputa a posse do território na Justiça, tem 15 dias para se posicionar acerca das providências que serão tomadas.
A abertura da representação, assinada pelos procuradores Ovídio Augusto Amoedo Machado e Melina Flores, foi motivada pelas denúncias recebidas pelo órgão e noticiadas na imprensa. No entanto, teve como base um inquérito civil que apura ato de improbidade administrativa feito por militares contra os moradores.
A recomendação prevê que o comandante seja responsável pela tomada de três providências. A primeira aborda a proibição de qualquer tipo de coação física ou moral e adverte que cabe à Justiça resolver o impasse, "a quem compete, exclusivamente, e por meios de seus servidores próprios, executar e fazer cumprir o que for decidido".
Em seguida, os procuradores solicitam que o órgão militar "exerça o controle e a fiscalização efetiva dos atos praticados por oficiais subordinados" e que repreenda qualquer tipo de "prática arbitrária ou agressiva" com medidas disciplinares. E, por fim, recomenda à Marinha que informe ao MPF a ocorrência dos fatos ilícitos.
Há registro de que mais de 200 famílias moram no local, ocupadas pelos quilombolas há cerca de 230 anos. Há uma Ação Reivindicatória, impetrada pela Marinha na 10ª Vara Federal Cível na Bahia, solicitando a reintegração de posse para fins militares. A execução da reintegração seria executada em março deste ano, mas foi suspensa por ordem do governo federal. O órgão militar relata que a suspensão da ação ocorreu com o propósito de "assegurar a conclusão da articulação com as esferas e instâncias do governo responsáveis por uma retirada pacífica, com realocação segura dos réus". Na ocasião, movimentos sociais afirmaram que a comunidade não teve defesa na ação. 
Área de conflito entre Marinha e Quilombolas (Foto: Guellwaar Adún/ Arquivo Pessoal )Militares atuam em território ocupado por famílias
(Foto: Guellwaar Adún/ Arquivo Pessoal )
'Vivemos em guerra'O G1 conversou no fim do mês de maio com a líder comunitária Rosimeire Silva dos Santos, que narrou o tratamento realizado pelos militares aos moradores. Na ocasião, houve um conflito entre as partes, depois que a Marinha entrou no território para impedir a reconstrução de uma casa de barro que havia sido destruída pela chuva.
"Passamos a noite toda vigiados. Hoje já entrou um camburão. Na madrugada, passaram em frente à casa de meu irmão. Estão dentro do mato. A gente não sabe se vai sair vivo ou morto. Vivemos em guerra, a escola das crianças é arma na cabeça. Tenho muitas balas aqui que guardei", disse ela, que é mãe de quatro filhas. Segundo conta, os militares que cercaram o quilombo utilizaram violência, prática que denuncia ser constante.
"Chegaram com fuzis, metralhadoras e duas caixas de granadas, pelo que viram e me  disseram, porque não entendo de arma. Nossos filhos, que correram para abraçar a gente, eles empurraram. Apontaram a arma [contra a criança], mas depois mandaram se retirar. Pisaram em uma senhora, colocaram arma na barriga de minha irmã", afirma Rosimeire. A Marinha do Brasil nega a versão de que fuzileiros navais tenham estado "dentro" da comunidade no período da madrugada. Afirma ainda que é comum o trânsito de militares armados por se tratar de área militar.
Área de conflito entre Marinha e Quilombolas (Foto: Camila de Moraes/ Arquivo Pessoal)Uma das casas teve lado de parede destruída por
chuva (Foto: Camila de Moraes/ Arquivo Pessoal)
As defensorias públicas estadual e federal, além de movimentos sociais, atuam para resolver o impasse, porque existe uma ordem judicial que proíbe qualquer obra no local, segundo relatou a defensora estadual Fabiana Almeida.
Antiga fazenda
Em março, Vilma Reis, presidente do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra da Bahia (CDCN-BA), explicou ao G1 que a área em que hoje vivem as famílias de quilombolas era fazenda há 238 anos. Segundo ela, em 1972 foram retiradas do local 57 famílias, época em que a Vila Naval foi construída. "Até hoje essas famílias expulsas estão encostadas no muro, porque nunca perderam o vínculo com a comunidade", disse.
Vilma Reis retrata que a fazenda pertencia à família Martins, por décadas dona de grande parte do território do recôncavo baiano, mas que abdicou da propriedade de São Tomé de Paripe com a decadência do açúcar. "Foram se envolver em outras atividades, mas os quilombolas permaneceram no local. Se for lá, ainda vê os restos de fazenda, das correntes e de todo o material que servia para a tortura [dos escravos]. O laudo da Marinha mostra totalmente o contrário", descreve.

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