MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 18 de março de 2012

Arte erótica projeta brasileiros apesar de 'mercado enrustido'


Artistas deixam o cenário underground e ganham destaque graças ao estilo.
Sites e revistas especializadas têm público fiel, mas ainda reduzido.

Lívia Machado Do G1, em São Paulo

Felipe Yung, o Flip, posa ao lado de suas obras de arte (Foto: Caio Kenji/G1)Felipe Yung, o Flip, posa ao lado de suas obras de arte (Foto: Caio Kenji/G1)
Três enormes quadros brancos expostos na parede supostamente grafam ideogramas orientais em símbolos garrafais. Ao garantir certo distanciamento da obra, no entanto, é possível perceber que as palavras ali representadas estão em bom português: "bunda" e outros nomes da anatomia humana estão ao mesmo tempo em letras imensas e disfarçados.

O linguajar de baixo calão é muito mais sutil do que os óbvios pênis e vaginas incorporados às esculturas que também pertencem à mesma exposição. Estatuetas tradicionais de gatos e outros animais tidas como talismã na cultura oriental são adornadas com formas fálicas e fendas.

Todo esse material riquíssimo em erótica e pornografia pertence ao artista plástico Felipe Yung, mais conhecido como Flip. A exposição sem pudores, chamada “Hentai”, ocupou um pequeno espaço do MuBE - Museu  Brasileiro da Escultura - em São Paulo, de fevereiro a março de 2012. No dia da inaurguração, mais de 700 pessoas passaram pelo local.
O músico Marcelo D2, amigo pessoal de Felipe, é um dos primeiros a defender a arte do rapaz. “Flip é, literalmente, foda”, escreve o cantor no texto que abre o evento. Em muitos quadros, é preciso um esforço visual para identificar o sexo propriamente dito. Flip fez faculdade de artes plásticas, mas desenvolveu seu traço na rua, com a pedagogia do grafite. A estética oriental é uma referência casual, de gosto. “É um estilo que me interessa e fui atrás de saber mais, conhecer e reproduzir.”
Distanciamento para ler "bunda" no quadro de Flip (Foto: Caio Kenji/G1)Distanciamento para ler "bunda"
no quadro de Flip (Foto: Caio Kenji/G1)
Tipo exportação
Algumas das obras exibidas na exposição paulistana passaram por uma galeria underground em Londres, onde Renata Junqueira, do MuBE, teve acesso aos trabalhos de Flip. “Ela viu algumas coisas em Londres e propôs trazer isso para o Brasil. Para homenagear o lugar, eu criei as esculturas dos talismãs japoneses e ampliei o projeto.”
Embora seu trabalho ainda não tenha adentrado os lares brasileiros, expor o material em um museu paulista é um grande avanço. “Temos um público enrustido desse tipo de arte. Muitos valorizam,  mas não encomendam algo para colocar na sala de estar. De qualquer forma, é um trabalho que dá projeção. As pessoas gostam do traço e querem comprar um quadro seu, não necessariamente com pênis e vaginas.”
Não necessariamente, mas também é uma possibilidade. Na cozinha da casa do artista, um enorme quadro de uma vagina adornada com confeitos açucarados decora o espaço. Na residência de seus pais também não há pudores.“Tive uma educação livre, sem tabus. Minha família pira, adora os trabalhos. É muita hipocrisia dançar na boquinha da garrafa, mas fazer cara feia para um quadro que mostre um pênis ou o ato sexual. Genitália todo mundo tem, de sexo todo mundo gosta. Por que isso não pode ser matéria-prima da arte?”

Os artistas identificam a caretice universal como um dos entraves para a paulatina apropriação da pornografia e do erótico como um movimento artístico. Janara Lopes, fundadora do “Ideia Fixa”, site de referências visuais que garimpa conteúdos nas áreas de publicidade, design e comunicação, diz que uma das sessões de maior audiência da página é o AI-Sim, batizado em referência ao AI-5. Todos os posts que recebem o título têm um aviso de que o conteúdo será pornográfico e erótico. O espaço virtual valoriza desde o escatológico até o mais sutil, com fotos e pequenos textos explicando do que se trata. Há espaço para novos talentos ou exibição virtual de obras antigas que abordem tal temática.
“É uma das sessões mais vistas, porém, menos compartilhada nas redes sociais. As pessoas se interessam, mas não têm colhão para expor o apreço.” Por conta desses e de outros conteúdos adultos, o site é proibido na maioria das faculdades design do país. “É ridículo isso. Oferecemos conteúdo, referência a essa galera que está se formando, mas dentro do ambiente escolar eles não podem nos acessar.”
Pedro Ferriera, o Lambuja, e suas mulheres no ringue aquático  (Foto: Lambuja)Pedro Ferriera, o Lambuja, e suas mulheres no ringue aquático. Desenho feito para a banda de rock Tokyo Savana  (Foto: Lambuja)
Mulheres curvilíneas, sem roupa, donas de bundas volumosas e seios fartos, além de terem enormes tatuagens e serem boas de brigas, são os personagens das ilustrações de Pedro Henrique Ferreira, conhecido como Lambuja.

Seus desenhos já estamparam páginas de revistas masculinas e reportagens de jornais. Quando não é possível usar fotos para ilustrar determinados conteúdos, a arte erótica de Lambuja é requisitada e remunerada. É no mercado publicitário e editorial que suas fêmeas agressivas fazem sucesso.
“Fora disso, o consumo é feito por quem conhece, entende esse tipo de tema. A minha vontade é expor os meus desenhos em galerias, vendê-los como quadros. Entrar nas residências com pornografia e erotismo. É um tipo de arte que eu gosto, valorizo. Não me especializei nisso, comecei a fazer por interesse pessoal mesmo.”
A motociclista de Derby Blue  (Foto: Derby Blue/Shiko)A motociclista do ilustrador Derby Blue
(Foto:Derby Blue/Shiko)
Carimbo
Para Shiko, conhecido como Derby Blue, ilustrador de João Pessoa que hoje mora na Itália, a estética erótica ainda carrega um verniz de subcultura. “É vista como algo menor. Na minha visão, a pornografia pode ser arte de bom gosto. Demorei pra entender que o que eu fazia era erótico. Eu simplesmente não fazia distinção, era só um desenho bonito e legal.”
As referências, aliás, são ilimitadas. Ele revela que se abastece do cinema e da literatura antes de criar. “Um livro do Jorge Amado ou um filme do Fellini têm sempre alguma informação erótica, sexual.”
Assim como Ferreira, Shiko é figurinha bem grata nas redações brasileiras e agências de propaganda. Seu traço já foi usado para ilustrar reportagens sobre prostituição e campanhas de cerveja, entre outros.
Pão e circo
Massificar conteúdos que deixam os mais pudicos corados também é o interesse da cartunista Cynthia B. Depois de passar cinco anos na faculdade para conseguir o diploma de médica, ela abandonou o título de doutora e assumiu o lápis como ferramenta de trabalho.
No esquema colaborativo, lançou, em novembro de 2010, a revista “Golden shower”, que usa sexo e pornografia para fazer piada. A premissa, acima de tudo, é o humor. O tema e o talento da menina renderam a participação de Laerte e Adão na segunda edição, em novembro de 2011.
Capa da primeira edição da revista  (Foto: Divulgação)Capa da primeira edição da revista (Foto: Divulgação)
“É um assunto que me interessa, todo mundo gosta de falar. Nem imaginei que teria repercussão, mas achei que eu me divertiria fazendo.”
Além da ajuda de cartunistas graúdos, ela recebe semanalmente conteúdos de desenhistas interessados em divulgar o trabalho. Carioca, a ideia nasceu em um tarde com amigos sentada na pedra do Arpoador, no Rio de Janeiro, quando um amigo fez xixi no mar e virou motivo de piada. "A brincadeira começou ali e resolvi dar esse título para a revista.”
As publicações são anuais, e Cynthia também faz a curadoria. O material é lançado em papel couché e é enviado pelo correio aos interessados. Cada revista custa R$27 e ela já vendeu, juntando as duas edições, quase dois mil exemplares. “O que me encanta é a honestidade de falar sobre sexo abertamente. Romper com rótulos sem medo de julgamentos. Muitos dos quadrinhos são autobiográficos. Sinto que o mercado está mais receptivo agora.”

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