MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sábado, 10 de dezembro de 2011

‘Cinema dentro do presídio tem gosto da rua’, afirmam detentos

 

Projeto itinerante Cine Tela Brasil exibiu filmes nacionais atrás das grades.
Presos ainda participaram de bate-papo com José Mojica, o Zé do Caixão.

Lívia Machado Do G1, em São Paulo
Capela da penitenciária ganha telão e cortinas pretas (Foto: Caio Kenji)Capela da penitenciária ganha telão e cortinas pretas (Foto: Caio Kenji)
Nem só de banho de sol e partidas de futebol vive o lazer dos detentos da Penitenciária José Parada Neto, em Guarulhos. Pela segunda vez, o projeto de cinema itinerante idealizado pelos diretores do longa “O Bicho de sete cabeças”, Laís Bodansky e Luiz Bolognesi, o Cine Tela Brasil, adaptou sua tenda ao espaço que abriga a capela do presídio.
Divididos em grupos de 250, os detentos assistiram aos filmes “Lisbela e o prisioneiro”, “Quincas Berro D´água” e o “Bem Amado”. O evento ocorreu pela primeira vez em 2010, e faz parte de uma parceria entre a diretora e Jayme Garcia dos Santos Junior, juíz da corregedoria de Guarulhos.
“Nosso projeto preconiza levar o cinema a quem não tem acesso. No ano passado, recebemos esse convite e achamos sensacional. Casava perfeitamente o objetivo do Cine Tela. Renovamos a parceria agora em 2011”, explica Laís. Além de oferecer a estrutura, a cineasta participa da escolha dos filmes. A proposta é exibir longas de sucessos nacionais, que tenham um enredo alegre, divertido, mas que também promovam a reflexão.
Embora evitem temas que retratem a violência, não há censura na seleção. Jayme comenta que muitos detentos pedem para assistir ao filme "Carandiru", de Hector Babenco. O desejo pode ser realizado em 2012, se a parceria for renovada.
“Não vejo problema nenhum em acatarmos esse desejo. Não é uma realidade que eles desconheçam. Acho até muito útil abordar esses temas.”
Sem milho
Davi Judice, 32, preso por um assassinato que ele diz não ter cometido e tráfico de drogas (Foto: Caio Kenji) Davi, preso por tráfico de drogas e
um assassinato que ele
nega ter cometido (Foto: Caio Kenji)
A segunda edição, apesar do sucesso de público, deixou a desejar por uma única razão: desta vez, não teve pipoca. “No ano passado, comemos até pipoca. Lá dentro, esquecemos que estamos presos. O cinema, na prisão, tem gosto da liberdade, da rua. Aproxima do mundo lá fora", acredita Davi Douglas de Souza Judice, 32.
Durante a sessão, ele recordou os finais de semana em que ia ao shopping acompanhado pela esposa e filho primogênito. “Pra ser igual ao que eu vivia quando era livre, só faltava comer em uma lanchonete americana na saída”, brinca.
Preso há cinco anos e quatro meses, o projeto permite um dia lúdico na sentença do rapaz. Para ele, tal benefício simboliza uma possível revolução dentro da estrutura carcerária do país. Quanto maior o envolvimento em trabalhos manuais, leitura e produção artística – Davi já escreveu dois livros dentro da prisão e também é músico – menos privado o rapaz se sente.
“Tento ser o detento menos preso aqui dentro. Passar o dia ocupado com trabalho e cultura é fundamental para o nosso processo de reintegração na sociedade", defende. De fato, o projeto parece oferecer um resgate de identidade – papel incorporado há décadas por um representante único dentro dos presídios: a religião.
“Aqui todo mundo é tratado como bicho. Quando me contaram que teríamos sessão de cinema, lazer e contato com a sociedade, achei que era mentira”, revela Fabiano de Jesus, 28, lutador de artes marciais, preso há quatro anos.
Depois de muito rodar em diversas penitenciárias bastante opressoras da Grande São Paulo, ele duvidava de qualquer tipo de atividade cultural atrás das grades. Hoje, participa ativamente dos trabalhos, e espera conseguir um abrandamento da pena de 20 anos – negro, ele afirma que foi preso após aceitar uma briga com dois rapazes brancos que “mexeram” com sua ex-esposa, durante um coquetel que celebrava sua vitória após uma luta de MMA.
Comida é arte
Fabiano de Jesus, lutador de MMA (Foto: Caio Kenji)Fabiano de Jesus, lutador de MMA (Foto: Caio Kenji)
À exceção de Fabiano, as razões que levaram os 1580 homens a viver dentro de pequenas celas (em média, 12 por cela) no complexo penitenciário José Parada Neto, são tão pouco variadas quanto o cardápio alimentar no cárcere – por isso ausência da pipoca, na segunda edição, foi tão sentida.
Tráfico de drogas, assassinato à mão armada, roubo e homicídio são os principais crimes. “Imagine o que é comer a mesma comida durante mais de cinco anos da sua vida. Eu sonho todos os dias em tomar um sorvete”, comenta Davi.
A falta do petisco, porém, foi recompensada com a participação do cineasta José Mojica Marins. Durante 25 minutos, no intervalo entre a segunda e a última sessão, os detentos puderam fazer perguntas e conversar com o Zé do Caixão.
As questões eram concluídas com tietagem e confissão. A maioria dos presos revelou ser fã do Cine Trash (sessão de filmes de terror apresentados pelo Zé do Caixão em 1990) e sentir medo das principais produções do cineasta. Em sua versão fofa, Mojica pregou a crença nos próprios sonhos e, involuntariamente, promoveu uma palestra motivacional.
Ao rechaçar o cinema nacional, fez questão de mostrar que nunca teve apoio público para produzir os mais de 100 filmes. “No Brasil, a verba só é dada para filhinho de político, que pede 20 milhões, usa dois e guarda o resto no bolso", assevera.
Criticou, com menos acidez, as produções feitas pela própria filha, também diretora de cinema. “Já falei pra ela fazer filme usando o folclore brasileiro, a nossa identidade. Ela escolheu os vampiros, um tema gringo em vez da Iemanjá. Paciência.”
Após tais explanações, a trajetória de Mojica no cinema independente foi usada pelos presos como um exemplo de final feliz. “Mesmo sem dinheiro você conseguiu produzir seus filmes e fazer história. É um exemplo de que a gente tem que ter esperança”, afirmam os detentos participantes.

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