MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Polêmico, Kadafi ficou 42 anos no poder




São Paulo - O ex-governante líbio Muamar Kadafi, morto nesta quinta-feira, foi uma das personagens mais controvertidas do século passado e início deste século. Nas décadas de 1970 e 1980, Kadafi patrocinou ataques terroristas, tentou desestabilizar países árabes e africanos vizinhos, além de provocar uma guerra de dois meses contra o Egito em 1977. Kadafi nacionalizou a indústria petrolífera da Líbia em 1973, quatro anos após assumir o poder em um golpe de Estado que extinguiu a monarquia no país do Magreb. Além disso, melhorou sensivelmente o padrão da vida do povo líbio, que era um dos mais pobres não apenas da região do Mediterrâneo, mas do mundo inteiro até a década de 1970. A crise econômica mundial de 2008, somada à alta nos preços dos alimentos, contudo, minou o padrão de vida dos líbios - muitos dos quais ainda vivem numa sociedade onde o controle tribal é forte.

Segundo o Banco Mundial, a renda per capita foi de US$ 12 mil em 2010 - para um país com 6,3 milhões de habitantes. A repressão brutal de Kadafi aos manifestantes em fevereiro de 2011, com centenas de mortos em Benghazi, Tripoli e outras cidades, levou a uma guerra civil de caráter tribal e comandada pelas tribos do leste líbio.

Na década de 1990, Kadafi mergulhou no ostracismo no cenário internacional e começou a realizar um trabalho modesto para limpar sua imagem. O preço relativamente baixo do petróleo na década passada empobreceu novamente a Líbia e aumentaram as pressões sociais sobre seu governo.

Reabilitado com o Ocidente, Kadafi estava moderado. As empresas europeias e norte-americanas haviam voltado a explorar o petróleo líbio. Nada indicava que a Líbia, uma sociedade bem mais tribal que seus vizinhos Tunísia e Egito, e também bem mais rica, seria engolfada pela onda de rebeliões que tomou conta do Oriente Médio e do Magreb na Primavera Árabe. O governante afirmou que foi "traído" pelos EUA, França, Grã-Bretanha e Itália, que apoiaram os insurgentes em Benghazi.

O governo líbio, embora jamais tenha admitido ter ordenado a explosão de um Boeing 747, em 1988 sobre Lockerbie (na Escócia) - ataque que matou 270 pessoas - concordou, após longa disputa judicial, em entregar à justiça britânica os dois suspeitos pelo ataque, que eram líbios, e em indenizar as famílias das vítimas. Kadafi também foi um dos primeiros líderes a condenar a rede terrorista Al-Qaeda, logo após os ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos.

Mas isso não mudou a imagem extravagante e de rebelde bufão (para os adversários) que o coronel líbio cultivou durante muitos anos.

"Em 1974, o coronel Kadafi alardeava que iria 'armar e treinar revolucionários para derrubar os governos da Tunísia, Egito e Argélia, se a unidade árabe não pudesse ser conseguida por meios normais'," escreveu um dos seus biógrafos, o jornalista americano Benjamin Kyle, especialista em Oriente Médio e Norte da África.

Nascido em 1942 em uma família de beduínos que havia lutado contra a colonização italiana da Líbia, Kadafi estudou na escola militar do reino da Líbia, formada após a independência do país em 1951, sob a monarquia do rei Idris. Sua formação política ocorreu no contexto do pan-arabismo, a teoria que teve seu expoente máximo no presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, líder da revolução egípcia de 1953. O pan-arabismo predicava uma união nacionalista de todos os povos árabes, a destruição do Estado de Israel, o controle das reservas petrolíferas e, nas suas formas mais radicais, uma mistura entre o marxismo e o Islã.

O jovem Kadafi montou sua célula revolucionária dentro do Exército e em setembro de 1969 tomou o poder, em um golpe contra a impopular monarquia de Idris. Kadafi cultivava uma imagem puritana, de homem vindo do deserto. Proibiu o álcool, o haxixe e a dança do ventre em Tripoli. Numa ocasião, invadiu fardado uma boate, expulsando os clientes e as dançarinas. Mas diplomatas contavam que na intimidade o coronel era inseguro, sofria de depressão e dirigia seu carro conversível nas noites insones pelas avenidas de Tripoli.

Os confusos pensamentos de Kadafi foram condensados no Livro Verde, onde ele discute questões como a condição das mulheres, dos trabalhadores, dos indivíduos e dos sistemas políticos.

Nos anos seguintes, o coronel fortaleceu seu poder interno com expurgos, apoiou os extremistas palestinos e chegou a esboçar uma tentativa de união política com o Egito e a Síria, a Federação das Repúblicas Árabes. A união política foi efêmera, já que em meados da década Kadafi estava em choque com o sucessor de Nasser, o presidente egípcio Anwar Sadat, a quem Kadafi acusou de traição por fazer a paz com Israel em 1979. Em 1977, os dois países chegaram a se enfrentar numa guerra de dois meses. "Kadafi é 100% louco e possuído pelo demônio", disse então Sadat.

Por causa de uma disputa territorial e que envolveria novos campos de petróleo, Kadafi invadiu o Chade, um país africano vizinho e pobre. A guerra prosseguiu até a década de 1990 e custou milhares de vidas.

Kadafi apoiou Abu Nidal, terrorista de uma facção radical palestina, que em 27 de dezembro de 1985 metralhou centenas de passageiros nos aeroportos de Roma e Viena. Dezenove pessoas foram mortas, cinco delas norte-americanas.

Em 1986, Kadafi recebeu a resposta americana. Em 4 de abril uma bomba explodiu numa discoteca em Berlim Ocidental, ferindo centenas de pessoas. A discoteca era frequentada por soldados americanos de folga. Os serviços secretos dos EUA incriminaram Kadafi e o presidente Ronald Reagan bombardeou a Líbia uma semana depois. Kadafi refugiou-se em um abrigo antiaéreo no seu quartel-general de Bab al-Azizia e escapou do que foi na verdade uma tentativa de assassinato.

Bem antes dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, Kadafi passou a adotar um discurso conciliador com o Ocidente e condenou o terrorismo e o extremismo islâmico. Em 1993, por exemplo, a Líbia rompeu relações diplomáticas com o Irã, por discordar da interpretação linha-dura do Alcorão adotada pelos aiatolás xiitas de Teerã.

O líder líbio foi casado duas vezes. A primeira, com uma enfermeira em 1969, da qual divorciou-se após seis meses e que lhe deu um filho. A segunda, com uma professora, que lhe deu sete filhos.

No começo da década passada, a Líbia abriu seu programa nuclear à inspeção internacional. Isso permitiu que o país assinasse com a França, no começo de 2008, um acordo de cooperação para o fornecimento de tecnologia nuclear francesa para fins pacíficos ao governo líbio. Kadafi se encontrou com o presidente francês, Nicolas Sarkozy. Mais tarde, quando a França liderou a campanha de bombardeio da Otan a suas forças, em março de 2011, o filho de Kadafi, Seif Al-Islam, disse que Kadafi deu dinheiro para a campanha eleitoral de Sarkozy em 2007. Nada foi provado.

Em 2006, em outra medida sem precedentes, a Líbia reabriu seus ricos poços petrolíferos à exploração de empresas ocidentais.

O movimento de reaproximação com o Ocidente culminou em 2009 com a visita de Kadafi a Roma e do premiê italiano Silvio Berlusconi a Tripoli - o governo líbio, acionista da montadora italiana Fiat e do banco Unicredit, assinou uma série de acordos comerciais com a Itália e os dois países decidiram relançar as relações. Ex-colônia italiana entre 1911 e 1943, a Líbia guardou ressentimento pela ocupação italiana, que foi particularmente sangrenta na década de 1920, quando milhares de beduínos foram mortos no campo de concentração de El-Aglaiba.

Talvez inspirado na teimosia das rebeliões beduínas contra os italianos, Kadafi demorou para perceber a maré de revolta que varre o mundo árabe neste 2011 e já havia derrubado dois veteranos ditadores, Zine El Abidine Ben Ali, da Tunísia, e o egípcio Hosni Mubarak. O ex-coronel revolucionário virou um ditador sangrento, derrubado por uma revolução tribal com apoio dos seus ex-parceiros de negócios Berlusconi e Sarkozy.

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